A gestão da arborização urbana de Campinas se tornou o centro de uma crise institucional entre a Prefeitura e o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdema). Nos últimos meses, divergências sobre prerrogativas legais, circulação de documentos e participação do conselho em decisões ambientais chegaram ao Ministério Público, ao Tribunal de Justiça e à Câmara Municipal, tornando pública uma disputa que vinha ocorrendo internamente.
O conflito envolve alegações de que o Executivo tem ignorado pareceres, resoluções e consultas obrigatórias ao Comdema, órgão paritário responsável por acompanhar e deliberar sobre políticas ambientais. A Prefeitura, por sua vez, nega omissão e sustenta que tem adotado medidas para organizar o fluxo de comunicação com os conselhos.
A tensão cresceu após denúncias sobre podas drásticas e supressões de árvores realizadas em 2024 e 2025, especialmente em Barão Geraldo, quando moradores apontaram que a Secretaria de Serviços Públicos e a CPFL agiam sem seguir orientações técnicas do conselho. A pressão levou o Ministério Público a abrir um inquérito para apurar a ausência de participação do Comdema nas decisões de manejo arbóreo.
MP tentou mediar e arquivou o caso após acordo
No inquérito civil instaurado em 2024, o Ministério Público cobrou da Prefeitura laudos, justificativas e informações sobre os procedimentos de supressão, além de questionar a falta de interlocução com o Comdema. O conselho relatou “deficiência no manejo da arborização urbana” e disse que suas orientações vinham sendo ignoradas pelo Executivo.
Após reuniões entre MP, Prefeitura e Comdema, foi criada a Instrução Normativa Conjunta 02/2025, publicada em 12 de novembro. A normativa estabelece um protocolo oficial de comunicação, prazos de resposta e define responsabilidades da Secretaria do Clima (Seclimas) na tramitação das demandas do conselho.
Com a publicação, o Ministério Público considerou que o município havia adotado medidas satisfatórias para resolver o problema e determinou o arquivamento do inquérito em 15 de novembro de 2025. O Comdema, porém, afirma que o acordo não está sendo cumprido.
Presidente do Comdema acusa Prefeitura de descumprir prerrogativas
O presidente do Comdema, Tiago Fernandes de Lira, diz que o Executivo segue atuando sem consultar o conselho e sem enviar documentos obrigatórios. “Desde o início da gestão, encaminhamos denúncias sobre o descumprimento das prerrogativas do Conselho. A Prefeitura não envia ao Comdema questões orçamentárias, planos, projetos ou resoluções que, por lei, precisam ser analisados pelo plenário. Mesmo após acordo costurado no Ministério Público, as normas continuam sendo desrespeitadas”, afirma.
Segundo ele, resoluções aprovadas pelo conselho são encaminhadas à Procuradoria antes de serem publicadas, o que, em sua avaliação, “fere a autonomia do órgão paritário”.
A Prefeitura informou que envia ao Comdema todos os documentos solicitados. A decisão judicial é em cumprimento à lei 11.571 de 2003 na qual diz que a responsabilidade civil e criminal sobre a arborização urbana é do Departamento de Parques e Jardins. Portanto, a Prefeitura cumpre a decisão judicial.
TJ intervém e limita interferência da Prefeitura no Conselho
Em paralelo à mediação conduzida pelo Ministério Público, a disputa interna no Comdema chegou ao Tribunal de Justiça. Em 1º de dezembro, o juiz Mauro Iuji Fukumoto, da 1ª Vara da Fazenda Pública, concedeu parcialmente um mandado de segurança impetrado pelo presidente do conselho contra o secretário executivo do próprio colegiado.
Segundo o processo, o secretário teria se recusado a publicar uma resolução editada ad referendum e a enviar uma circular aos conselheiros. Para o juiz, embora a minuta da circular ainda dependesse de validação, a publicação de resoluções é atribuição exclusiva do secretário executivo, que não pode condicioná-las a pareceres da Procuradoria ou ao aval de superiores hierárquicos.
A decisão determinou a publicação imediata da Resolução 03/2025 e proibiu a exigência de aprovação prévia de órgãos da Prefeitura para atos deliberados pelo Comdema. Na prática, o Judiciário reconheceu interferência indevida do Executivo na autonomia do conselho.
TJ suspende norma sobre arborização; Comdema vai recorrer
Em outra frente judicial, o Tribunal de Justiça suspendeu uma resolução sobre o manejo da arborização que obrigava a Prefeitura a consultar o Comdema antes de intervenções. A decisão ocorreu a pedido do Executivo, que questionou a constitucionalidade da norma. O conselho afirmou que recorrerá.
A suspensão fragiliza a atuação da Câmara Técnica de Arborização Urbana em um momento em que a cidade discute o aumento das podas e remoções.
Comdema diz que TJ analisou versão antiga da resolução, já alterada pelo plenário
Segundo o presidente do conselho, a resolução contestada pela Prefeitura no Tribunal de Justiça não corresponde à versão atualmente em vigor no Comdema. Lira afirma que, após conseguir a liminar que obrigou a publicação do texto original, o assunto voltou à pauta, recebeu sugestões da Câmara Técnica de Arborização e passou por alterações aprovadas pelo plenário.
“O Tribunal de Justiça está analisando uma versão antiga da resolução. Depois da liminar, o plenário discutiu novamente o texto, incorporou sugestões e aprovou outra redação. A norma que o TJ aponta como inconstitucional já nem existe mais”, diz. Para ele, a estratégia jurídica adotada pelo Executivo resultou em uma análise baseada em premissas desatualizadas.
“Isso embaralhou o processo. Um juiz teve que afirmar o óbvio: o governo não pode decidir o que o Comdema pública ou não. Estamos apresentando a defesa da resolução e das prerrogativas do conselho com tranquilidade, porque o tribunal foi levado a erro ao analisar um texto que já havia sido superado”, afirma. O Comdema pretende anexar ao recurso a versão atualizada da resolução aprovada pelo colegiado.
Câmara entra no debate e cobra esclarecimentos
Diante da escalada do conflito, a pedido do vereador Wagner Romão (PT), a Câmara Municipal discutiu em audiência nesta quarta-feira (3) as responsabilidades do Comdema e da Prefeitura. Romão, que preside a Frente Parlamentar pelo Meio Ambiente e pelo Enfrentamento às Mudanças Climáticas, questionou a política municipal de podas, pediu mais transparência nos laudos de supressão e cobrou explicações da Secretaria de Serviços Públicos e da CPFL. O Comdema foi convidado a expor as divergências técnicas e jurídicas envolvendo o Termo de Cooperação com a concessionária, outro fator de atrito entre as partes.
Crise institucional segue aberta
Apesar da Instrução Normativa publicada em novembro e do arquivamento do inquérito pelo MP, o impasse entre Executivo e conselho permanece. Enquanto a Prefeitura sustenta que regularizou o fluxo de comunicação, o Comdema afirma que a prática não acompanha o discurso.
“O governo diz, diante do Ministério Público, que vai respeitar o acordo. Mas, na prática, as decisões continuam sendo tomadas sem passar pelo conselho. Vivemos uma crise institucional, e precisamos garantir que o Comdema seja respeitado como órgão deliberativo de política ambiental”, conclui Lira.
Com liminares em sentidos opostos, recursos pendentes no Tribunal de Justiça e cobranças crescentes da Câmara, a gestão da arborização urbana segue no centro de uma disputa que revela falhas de governança e de diálogo institucional no município.
Prefeitura
A prefeitura ressaltou ainda que a gestão de ações relativas à arborização em Campinas sempre segue critérios técnicos, como o cultivo de mudas de árvores no Viveiro Municipal, o plantio de espécies em diversas regiões da cidade, incluindo a implantação de microflorestas; podas e extrações realizadas após a avaliação e elaboração de laudos técnicos, inclusive com exames de tomografias arbóreas, que atestem essa necessidade. Além do trabalho das equipes técnicas, os cidadãos podem solicitar vistorias nas árvores por meios dos canais 156 campinas.sp.gov.br/sites/156/canais-de-atendimento.