Atemporada teatral de 20215 se encerra nesta semana e novos espetáculos chegam aos palcos cariocas na segunda quinzena de janeiro. Mas alguns, no entanto, retornam para nova temporada. É o caso de "Felizarda", que explora os efeitos da hiperprodutividade na psiquê contemporânea que terá apresentações no Teatro Gláucio Gill até 14 de fevereiro.
Em tempos de cultura da produtividade incessante e fronteiras cada vez mais borradas entre vida pessoal e profissional, a montagem propõe uma reflexão tragicômica sobre a alienação no mundo corporativo. "Felizarda" nasceu do desejo das atrizes Bella Camero e Louise D'Tuani de trabalharem juntas em um projeto que dialogasse com as neuroses do nosso tempo. Para isso, procuraram a dramaturga Cecília Ripoll.
A história acompanha uma pessoa recém-contratada por uma empresa cujo produto ela desconhece completamente. Enquanto tenta descobrir qual é, afinal, sua função, ela se vê envolta em situações que expõem as histerias típicas de um ambiente hiperprodutivo, onde a comunicação falha sistematicamente e o trabalho invade todas as esferas da existência. "Buscávamos algo para montarmos, que falasse da sociedade de hoje, sem perder o humor. Estamos tão focados em provar que podemos ser eficientes e produtivos 24 horas por dia que nos alienamos. Não nos conectamos mais nem com os nossos sentimentos e nem com as outras pessoas. Assim, ficamos cada vez mais sozinhos", explica Louise D'Tuani.
A escolha de não nomear os personagens reforça a crítica à lógica corporativa. "Queremos mostrar que, pela lógica do mundo corporativo, somos todos facilmente substituíveis", comenta Bella Camero. Assim, os intérpretes são designados apenas como Vizinho de Mesa (Felipe Haiut), Mentora (Louise D'Tuani), Felizarda (Bella Camero) e Esposa da Felizarda (Sol Menezzes). A ausência de nomes próprios funciona como dispositivo dramatúrgico que universaliza a experiência retratada.
A encenação imaginada pela diretora Beatriz Barros dissolve propositalmente a fronteira entre casa e trabalho, misturando situações profissionais e pessoais. A cenografia de Pedro Levorin traz elementos híbridos que evocam esses dois ambientes simultaneamente.
"'Felizarda' cria uma distopia contemporânea não situada no tempo — poderia acontecer no passado, no presente ou no futuro", diz a diretora. Essa atemporalidade reforça o caráter universal das questões abordadas, que transcendem contextos históricos específicos para dialogar com estruturas mais profundas do capitalismo contemporâneo. Entre o absurdo e o cotidiano, o espetáculo traça um retrato das angústias de um mundo onde sintomas psíquicos brotam ao ritmo frenético da hiperprodutividade.
SERVIÇO
FELIZARDA
Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana)
Até 19/12 e de 14/1 a 6/2, às quartas, quintas e sextas (20h)
Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia)