Avida nas comunidades cariocas é narrada por seu prórpios habitantes no espetáculo "Entre: Bombas, Balas, Confetes e Serpentinas", em cartaz até domingo no Teatro da Maré. A montagem revisita o período da ocupação militar de 2014 no complexo de favelas da zona norte. A peça, escrita e dirigida por Matheus Frazão, arte-educador nascido e criado na Maré, integra a 13ª edição do projeto sociocultural Entre Lugares Maré, escola livre de formação em arte e cultura certificada pelo Ministério da Cultura através da Rede Nacional Escolas Livres.
O trabalho nasce diretamente das oficinas artísticas oferecidas pelo projeto ao longo do ano, que incluem pesquisa de campo, leitura e escrita, restauro de figurino, corpo e movimento, cenografia e montagem teatral. São 30 vagas destinadas a jovens e adultos entre 14 e 50 anos, todos moradores do Complexo da Maré. O resultado cênico materializa o aprendizado técnico desses participantes, mas também suas vivências e memórias coletivas sobre um dos períodos mais tensos da história recente do território.
A dramaturgia de Frazão se inspira na obra "Militarização e Censura - a luta por liberdade de expressão na Favela da Maré", da jornalista e documentarista Gizele Martins, moradora da Maré que recentemente conquistou o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio 2025 com "Cheiro de Diesel", ao lado de Natasha Neri. O documentário registra o impacto da militarização na vida dos moradores das favelas da Maré e da Penha. A adaptação teatral leva ao palco a perspectiva de quem teve a liberdade de expressão brutalmente silenciada pelo Estado durante processos de militarização e censura que apagaram vozes comunitárias, especialmente daqueles que denunciaram violências sistemáticas das forças de segurança.
"Eu sou o Frazão, um cara que iniciou muito jovem na arte, se profissionalizou nela e enxerga no teatro um canal de comunicação muito potente. Os espetáculos do Entre sempre trazem narrativas já vividas no território, por vezes dolorosas. É sobre o que incomoda, porque ainda dói na gente. A peça deste ano retrata as violências ocorridas no período da ocupação militar de 2014 na Maré, todavia, traz uma família que se diverte, que é do samba... É a alegria confrontando a violência. Talvez ela seja a nossa melhor arma. Uma obra do cotidiano, da intimidade, dos carnavais e desesperos que é a vida na favela", declara Matheus Frazão.
A encenação propõe uma experiência imersiva que dissolve as fronteiras tradicionais do palco e permeia o espaço em associação direta com a geografia da Maré. O cenário, que incorporou sugestões dos próprios intérpretes, funde passado, presente e futuro ao expor o ciclo da repressão militar, estabelecendo paralelos entre diferentes momentos históricos. A força da montagem reside na propriedade da vivência de seus protagonistas, moradores e comunicadores que transformam o trauma da censura e do massacre em grito urgente, provocando o público a confrontar a permanência da violência do poder, tendo a luta e a resistência como motor central.
A dramatrurgia foca no período da Copa do Mundo de 2014, quando a Maré foi ocupada e ficou sob comando militar. Os moradores enfrentam a censura e o medo cotidiano por parte das forças militares, e em meio a essa guerra, o samba surge como o pulmão que permite aos moradores continuar resistindo na favela. É justamente nessa tensão entre a brutalidade da ocupação e a potência da cultura popular que o texto encontra sua força poética e política.
O projeto Entre Lugares Maré pode ser considerado uma das experiências mais consistentes de formação teatral em territórios periféricos do Rio, completando 13 anos de atuação ininterrupta com montagens que colocam em cena as narrativas e perspectivas dos próprios moradores sobre suas realidades.
SERVIÇO
ENTRE BOMBAS, BALAS, CONFETES E SERPENTINAS
Teatro Museu da Maré (Avenida Guilherme Maxwell, 26, Morro do Timbau)
Até 14/12, de sexta a domingo (19h30) | Entrada franca