Por: Affonso Nunes

Enfim juntos no palco, Tony Ramos e Denise Fraga soletram um alfabeto de memórias

Tony Ramos e Denise Fraga dividem o palco pela primeira vez em 'O Que Só Sabemos Juntos' | Foto: Cacá Bernardes/Divulgação

Espetáculo marca a volta do veterano Tony Ramos aos palcos após quase duas décadas dedicadas exclusivamente a projetos no audiovisual

Depois de décadas consolidando carreiras paralelas, Tony Ramos e Denise Fraga finalmente dividem o palco pela primeira vez. O espetáculo "O Que Só Sabemos Juntos" chega aos palcos cariocas depois de uma temporada de grande sucesso em São Paulo. A montagem marca o retorno do ator, hoje com 76 anos, ao teatro após um hiato de quase duas décadas deicadas a produções audivisuais.

A dramaturgia parte de uma premissa simples, mas potente: o encontro de dois atores com uma multidão de pessoas que escolheu estar ali, na companhia umas das outras. "Eu gosto de contar as pessoas quando tem muita gente porque eu gosto sempre de imaginar que, sei lá, quando se trata de gente, cem não é cem, são cem unidades, cem uns, cem cada um, cem pessoas com vidas, histórias e experiências muito diferentes umas das outras", diz Denise Fraga numa cena inicial da peça. Essa percepção do outro como indivíduo único marca toda a narrativa.

Sob direção de Luiz Villaça, o espetáculo concebido pela NIA Teatro funciona como um "espetáculo-festa-despertador". Com humor e leveza, os dois atores conduzem uma experiência de empatia e escuta diferente a cada noite, valendo-se de dispositivos de interação direta com a plateia.

A proposta é resgatar um alfabeto coletivo de memórias, gestos e experiências que todos compartilhamos - as casas de infância, os cheiros que lembramos, os lugares preferidos de estar, a boca do fogão que preferimos acender, a cadeira escolhida à mesa - mas que deixamos de acessar diante da falta de escuta genuína do outro.

Num mundo onde a qualidade da escuta virou o grande problema das relações humanas, a peça questiona: do que nos lembramos? O que imaginávamos que fosse acontecer em nossas vidas quando ainda éramos crianças? E, principalmente, o que só sabemos juntos, ali, naquela sala, naquele momento compartilhado?

A dramaturgia costura essas questões íntimas com cenas sobre temas pungentes do mundo contemporâneo - aquecimento global, crise climática, dominação tecnológica, condição feminina, patriarcado e as dificuldades de criar vínculos genuínos em 2024. Entrelaçam-se ainda fragmentos de clássicos como "Tio Vânia", de Tchekhov, e "Galileu Galilei", de Brecht, demonstrando que o teatro atemporal permanece instrumento poderoso para pensar qualquer época.

O texto incorpora ainda pensamentos de autores como a ativista Bell Hooks, ensaios de Olga Tokarczuk, crônicas da jornalista Dorrit Harazim, prosa de Annie Ernaux e poesias de Fernando Pessoa, Wislawa Szymborska e Arnaldo Antunes. A dramaturgia é assinada por Vinícius Calderoni e Kenia Dias, com cenografia de Duda Arruk, iluminação de Wagner Antônio e figurinos de Verônica Julian.

A trilha sonora ao vivo é executada por uma banda exclusivamente feminina: Priscila Brigante (bateria), Clara Bastos (baixo), Grazi Pizzani (trompete), Taís Cavalcanti (saxofone) e Ana Rodrigues (piano), sob direção musical de Fernanda Maia. Em cena, dois mestres que preferem a dúvida ao conforto da certeza, propondo uma reflexão urgente sobre a função da arte em tempos de isolamento e polarização.

SERVIÇO

O QUE SÓ SABEMOS JUNTOS

Teatro Riachuelo (Rua do Passeio, 38 - Centro)

De 7 a 30/11, sextas e sábados (20h) e domingos (17h)

Ingressos entre R$ 25 e R$ 200