Antonin Artaud, Bertolt Brecht, Bob Wilson, Gordon Craig, Samuel Beckett, estão presentes na encenação de Gerald Thomas. Uma mistura astuciosa, que critica a mediocridade em que estamos mergulhados. Com imagens exuberantes, o espetáculo é invadido por uma intensa teatralidade, na qual os devaneios da humanidade buscam sentido na contemporaneidade. A caixa cênica é exposta, o teatro desnudando sua essência, acolhe um cenário de Fernando Passeti, que se transforma durante a apresentação.
Surgem torres do urdimento, telas pintadas por Rinaldo Escudeiro e um rosto agigantado da atriz, numa referência à pop art de Andy Warhol, além de várias escadas irregulares, num contraponto de cores e escalas. Criativo e ousado, Thomas se mantém fiel ao experimentalismo, no qual se debruçou em montagens como "Eletra com Creta", "Carmem com Filtro", a "Trilogia Kafka", "The Flash and Crash Days", com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, entre outras. Numa ideia de que forma é conteúdo, o diretor se inspira no pós-moderno, quebrando o conceito clássico do dramático, a psicologia dos indivíduos, em que a colisão dramática se despedaça. A visão contemporânea nos faz deparar com uma pluralidade, uma heterogeneidade, um viés ambíguo, híbrido do ato teatral, onde a contradição, fragmentação, anarquizam e desordenam a escrita cênica.
Numa atualização do próprio encenador, o texto da estadunidense Jane Wagner tornou-se um marco teatral, propagando humor ácido e crítica social. O monólogo, onde uma atriz/personagem questiona protótipos sociais, o mundo capitalista e a valorização de uma cultura de massa descabida, bestificando-nos a cada segundo, em que seres são considerados somente se alcançarem um epopeico número de seguidores nas redes sociais. A personagem vai se desequilibrando diante de tantas contradições humanas, falta de empatia, falta de memória, numa alusão de que a vida vem perdendo sentido.
Danielle Winits, muito bem conduzida por Thomas, implementa texturas dramáticas diversificadas, alcançando uma representação, na qual a atriz pouco se aventurou, manifestando estados de embriaguez e êxtase, rodeada por um elenco de apoio apropriado.
João Pimenta cria um figurino terroso, apocalíptico, que é trocado à vista do público, reforçando a quebra de paradigma do espetáculo. A irresistível luz de Wagner Pinto, em perfeita conexão com a proposta, ornamenta a parafernália, torna um ambiente poético, como a imagem de LED, tirando nosso fôlego, ao final. Thomas estabelece uma espécie de metateatro, em que o clima alegórico nos aproxima da nossa própria realidade nua, crua e por ora, desinteressante.