Comédia musical com Laila Garin explora dilemas sobre sofrimento, memória e a busca pela perfeição através de canções brasileiras
A promessa de uma vida sem dor seduz Leide Milene às vésperas de seu casamento. Interpretada por Laila Garin, a personagem vê no Miracle Former a chance de recomeçar: um procedimento revolucionário capaz de apagar memórias dolorosas e transformá-la em uma nova mulher, livre das angústias que carrega. A premissa, que poderia pertencer a um episódio de ficção científica distópica, é o ponto de partida da comédia musical que investiga questões urgentes sobre identidade, memória e os limites da busca pela felicidade a qualquer custo.
O espetáculo nasceu de uma provocação da poeta, psicanalista e filósofa Viviane Mosé, que também assina consultoria de conteúdo e colaboração de roteiro. A reflexão que deu origem ao trabalho questiona os mecanismos contemporâneos de anestesia emocional. "Na tentativa de não sofrer, terminamos optando por não sentir. Plastificamos nossa pele. Embalsamamos nossos afetos. Sentir muito e cada vez mais, aprender a lidar com os excessos, os desequilíbrios e as contradições é a condição para um ser mais amplo e para uma vida mais ética e sustentável", afirma Mosé. Essa fala tornou-se a espinha dorsal de uma narrativa que, longe de adotar um tom grave ou professoral, opta pelo humor despudorado para tratar de dilemas existenciais profundos.
Com direção de Gustavo Barchilon, o musical combina a estrutura dramatúrgica 18 canções conhecidas do público brasileiro, numa espécie de catálogo emocional da protagonista. O diretor, que já havia trabalhado com Laila Garin e Tauã Delmiro no musical "Alguma Coisa Podre", foi quem sugeriu a parceria entre os dois para a criação deste novo trabalho. "Nossas lembranças influenciam nossas escolhas e determinam como nos relacionamos com o mundo. A memória nos conecta ao passado, permitindo que aprendamos com os erros, celebremos conquistas e criemos narrativas sobre nossa própria história".
Para Laila Garin, que estreia como autora teatral ao lado de Tauã Delmiro, a questão da memória está diretamente ligada à identidade, mas também aos automatismos que carregamos desde a infância. "Somos nossas memórias, para o bem e para o mal. Acho que nossa identidade está diretamente ligada a elas. Lutamos para estarmos no presente e não termos reações automáticas, frutos de hábitos e aprendizados da primeira infância. Ao mesmo tempo, como diz Sotigui - griot que trabalhava com Peter Brook -, 'para saber para onde ir a gente deve olhar para de onde viemos'", explica a atriz.
Tauã Delmiro explica que o repertório foi pensado como um mosaico da diversidade musical do país, tornando-se um catálogo de emoções que reflete a herança poética das canções brasileiras. Baladas, boleros, sertanejo e bossa nova se alternam ao longo da narrativa, costurando a trajetória de Leide Milene. Laila também priorizou músicas que ama cantar e que geram identificação imediata com o público.
Embora seja sua estreia como autora teatral, Laila já possui experiência na concepção de roteiros, tendo escrito os shows do trio "A Roda" e participado ativamente da criação de espetáculos como "A hora da estrela" e "Gota D'água a Seco".
A direção musical é de Tony Lucchesi, com quem Laila já havia trabalhado em apresentações pontuais, mas nunca em um processo criativo de longa duração. "Pela primeira vez estamos tendo um tempo para criarmos juntos, experimentarmos. E estou muito feliz em conhecê-lo mais de perto. Ele é muito sagaz, muito criativo", elogia a atriz.
A trajetória de Leide Milene funciona como alegoria de uma geração que busca soluções rápidas para questões existenciais complexas, que prefere editar a própria história a enfrentá-la. O espetáculo não oferece respostas fáceis, mas propõe um exercício de reflexão sobre os limites entre bem e mal, dor e alegria, liberdade e controle social.
SERVIÇO
MÚSICAS QUE FIZ EM SEU NOME
Teatro Riachuelo (Rua do Passeio, 38)
Até 9/11, de quinta a sábado (20h) e domingo (17h)
Ingressos a partir de R$ 100 e R$ 50 (meia)