Por: Cláudio Handrey - Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA / TEATRO / LIMÍTROFE: Reflexões psíquicas

A montagem de 'Limítrofe' adota o formato de 'dramédia' para tratar de questões relacionadas à saúde mental | Foto: Josi Areia/Divulgação

O teatro brasileiro, nos anos 1960, alcançou uma efervescência dramatúrgica com Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros e de lá pra cá isso se arrefeceu. Um espetáculo, cujo o texto é brasileiro faz de "Limítrofe" um acerto, num país que pouco se interessa pela leitura, limitando a produção de novos autores. O texto de Oscar Calixto é bem engendrado, expondo casos de ansiedade e depressão, um mal do século, em que inúmeras pessoas se encontram adoecidas por patologias psíquicas, vítimas de um processo evolutivo da normalização de fatores, desencadeando sofrimento até o suicídio.

Apesar da austeridade do tema, o autor utiliza o "dramédia", construindo um embate entre três personagens destemperados, misturando drama e comédia, suavizando com sabedoria a tensão ao viver com "boderline", que difere dos neuróticos, por exemplo. A narrativa se desenrola sobre um terraço, onde seres nebulosos discorrem mesclando suas idiossincrasias, ao aludirem conteúdos novelescos e artistas populares. Calixto aborda ainda a questão delicada de um Brasil, onde qualquer um pode se acreditar como artista, mesmo que não tenha talento para isso.

Numa tarefa à quatro mãos, Daniel Dias da Silva e Anderson Cunha conduzem a cena com perspicácia, edificando um espetáculo com climas variados, determinando suspensões, que valorizam a obra, em perfeita sintonia com a proposta reflexiva.

Os três atores se equalizam, corporificando a atmosfera imposta pela direção. Malu Falangola esbanja carisma, flutuando pelo palco, desenhando com aceleração sua bailarina, contrapondo à Raphael Najan, que modela seu ator/galã de tevê com mais tensão, amparado na sua boa emissão vocal. Oscar Calixto estrutura seu escritor com tintas mais exuberantes, carregando em afetações e descontroles. E por vezes, todos, buscam a comicidade pela comoção.

O cenário de Alexandre Porcel, muito adequado, revela detalhes do alto de um prédio, com porta de entrada para a cobertura, um letreiro de led ao fundo e uma mureta com sinalizadores. Figurinos acinzentados, de Luana de Sá, abriga as personagens, num prenúncio fatal. Tudo isso iluminado por Anderson Ratto, que evoca um ambiente sombrio e luzes ao chão, que clarificam os momentos em que Claudia e Paschoal tentam se matar, como se o inferno dentro deles estivesse banhado em profusão. Felipe Tauil instaura uma trilha instigante, com uma Gloria Groove, apropriadamente dialogando com a encenação.

"Limítrofe" aponta maldições, que atormentam nossa consciência e para que não nos tornemos algozes de nós mesmos, deveríamos cuidar o quanto antes.