Acena teatral carioca recebe eeste mês uma das obras mais provocativas do repertório contemporâneo internacional. "Choque! Procurando Sinais de Vida Inteligente" chega aos palcos nacionais pelas mãos do diretor Gerald Thomas, que adapta o clássico texto da dramaturga estadunidense Jane Wagner para os dilemas da era digital. No palco do Teatro Copacabana Palace, Danielle Winits assume o desafio de dar vida a múltiplos personagens em um monólogo que questiona se ainda existe racionalidade em meio ao caos contemporâneo.
A peça original, "Procurando Sinais de Vida Inteligente no Universo", marcou época em 1985 quando Lily Tomlin a interpretou nos Estados Unidos. Quatro décadas depois, Thomas reconhece que o mundo mudou drasticamente e incorpora essas transformações à dramaturgia. "Em 1985 não haviam redes sociais ou IA, a teoria de Andy Warhol de que todos iriam ter seus 15 minutos de fama ainda era uma fantasia longínqua e não um pesadelo psicopático", observa o diretor. Para ele, a epidemia de influenciadores digitais pode estar condenando as novas gerações a "desaprender tudo aquilo que a história nos ensinou", criando uma era de deletação e apagamento que Wagner não poderia prever.
O espetáculo estrutura-se como um exercício de metateatro, onde uma única intérprete transita entre diferentes vozes e contextos sociais. Winits encarna desde executivas bem-sucedidas até catadoras de lixo, construindo uma narrativa que mescla humor afiado e crítica social sem cair no panfletário. A personagem central, uma ex-consultora criativa que enlouqueceu ou talvez tenha sido a única a manter a sanidade, acredita ter sido contactada por extraterrestres interessados em descobrir se ainda existem sinais de vida inteligente na Terra. "A dúvida que ela levanta é quase um paralelo ao 'ser ou não ser, eis a questão'. Será que ela perdeu a sanidade? Ou foi a realidade que, de tão absurda, se tornou incompreensível?", questiona a atriz.
A encenação de Thomas traduz visualmente essa fragmentação contemporânea através de um cenário que dialoga com a estética pop de Andy Warhol. Uma torre móvel e rotativa serve simultaneamente como figurino e elemento cênico, composta por uma montanha de lixos, latas de sopa Campbell, pacotes de Brillo, antena parabólica e painel de LED. O artista plástico Rinaldo Escudeiro assina quadros que referenciam tanto os ícones warholianos quanto objetos cotidianos como geladeiras, post-its e carrinhos de supermercado, incluindo o próprio rosto da personagem em escala agigantada.
O piso do palco ganha textura através de tecidos e espumas que criam relevos irregulares, enquanto pedaços de couro suspensos remetem a um curtume ou açougue, reforçando a atmosfera de decomposição e renascimento. Escadas finas e irregulares se perdem na altura do urdimento, elemento recorrente nos desenhos e obras de Thomas, sugerindo a busca por transcendência em meio ao caos material.
Jane Wagner construiu um texto que equilibra ironia e compaixão, pontuado por referências que transitam do pop ao filosófico. A crítica social emerge naturalmente da experiência dos personagens, confrontando as contradições do mundo moderno sem perder a leveza necessária ao humor inteligente. Thomas reconhece na obra original uma estrutura dramatúrgica que permite atualizações constantes, incorporando as lacunas que as décadas perdidas precisam preencher.
SERVIÇO
CHOQUE! PROCURANDO SINAIS DE VIDA INTELIGENTE
Teatro Copacabana Palace (Av. Atlântica, 1702)
Até 2/11, de quinta a sábado (20h) e dmingos (17h)
Ingressos entre R$ 120 e R$ 60 (meia) e R$ 210 e R$ 110 (meia)