Por: Affonso Nunes

O samba tem seu professor: Ismael Silva

Édio Nunes, Jorge Maya e Milton Filho revezam-se no papel de Ismael Silva no premiado musical 'Professor Samba' | Foto: Ernani Pinheiro/Divulgação

Se o samba se ensinasse em escolas ou universidades Ismael Silva (1905-1978) seria, definitivamente, o fundador dessa cátedra. Figura central na transformação do samba em uma expressão cultural urbana e estruturada, Ismael é oportunamente reverenciado no musical "Professor Samba - Uma Homenagem a Ismael Silva", que retorna aos palcos cariocas com uma temporada especial que circulará por quatro equipamentos culturais da Fuanrj entre outubro e dezembro.

A temporada começa pelo Teatro João Caetano, no Centro, como parte das comemorações dos 212 anos do teatro. Além do João Caetano, onde permanece até 9 de outubro, a montagem passará pelos teatros Armando Gonzaga, em Marechal Hermes, Mário Lago, na Vila Kennedy, e Imperator.

A produção presta tributo a Ismael Silva, sambista nascido em Niterói em 1905, filho de um cozinheiro e uma lavadeira. Mudou-se para o Rio após a morte precoce do pai, estabelecendo-se no Rio Comprido, próximo ao Estácio. Foi naquele território que desenvolveu sua paixão pelo samba, compondo sua primeira música, "Já Desisti", aos 14 anos. Tornou-se um dos fundadores da Deixa Falar em 1926, escola de samba do Brasil, que posteriormente se transformaria na Estácio de Sá. Seu modelo de organização serviu de base para as demais escolas.

Ismael também foi inovador na música. Suas composições ajudaram a definir a sonoridade característica do samba urbano carioca, estabelecendo padrões rítmicos e melódicos próprios, distinguindo-se do maxixe. Como integrante do trio "Os Bambas do Estácio", ao lado de Nilton Bastos e Francisco Alves, Ismael ajudou a profissionalizar o samba, levando-o dos terreiros e rodas de rua para os estúdios de gravação e rádios.

A dramaturgia, assinada por Ana Velloso, reconstrói o universo das rodas de samba do Estácio e da Lapa entre as décadas de 1920 e 1950, período de efervescência cultural que consolidou o samba como símbolo nacional.

Três atores se revezam na interpretação do personagem-título: Édio Nunes, indicado ao Prêmio Shell de melhor ator, Jorge Maya e Milton Filho. A direção é compartilhada entre Ana Velloso e Édio Nunes, com coreografia premiada pela APTR, assinada por Nunes e Milton Filho.

"A transformação do samba, os blocos de carnaval, a virada para a criação da Escola de Samba, o pulsar da bateria, a criação da estrutura não só musical, mas de organização daqueles blocos, cordões, a evolução do maxixe para o samba, são sedimentações feitas a partir do envolvimento de Ismael e seus contemporâneos que transformaram o samba na potência do Rio", explica Édio Nunes. "A cultura do povo preto que foi abraçada, mas que este mesmo povo sempre foi colocado de lado. Vidas e histórias como a dele, merecem ser contadas, cantadas e reverenciadas", completa.

A montagem traça paralelos entre as lutas enfrentadas por Ismael e os desafios atuais dos artistas negros brasileiros. "Professor Samba conta a história de um homem, artista, negro, favelado, que mostra que tem talento e que pode ter o espaço dele por merecimento", observa Édio "Somos três artistas pretos, transitamos de maneira multifacetada pela arte. Todos os dias temos que provar que podemos, que somos capazes, nada vem fácil. Para os artistas pretos, a luta é contínua."

Ana Velloso, dramaturga com extensa carreira no teatro musical, desenvolveu o texto com o objetivo de promover reflexões sobre a descolonização dos corpos negros. "Queríamos traçar um paralelo entre passado, presente e futuro, discutir problemas humanos, enfatizar que corpos negros são corpos políticos, que não podem ser dissociados de sua realidade histórica, social e cultural", pontua a autora.

Marcada por altos e baixos, a trajetória de Ismael espelha as contradições de uma sociedade que celebrava sua arte enquanto marginalizava sua pessoa. Após décadas de ostracismo, foi redescoberto nos anos 1960 e 1970 por artistas como Chico Buarque e Vinícius de Moraes, frequentadores do Zicartola. O sambista morreu em março de 1978, aos 73 anos, deixando mais de 100 composições que integram o patrimônio musical brasileiro.

SERVIÇO

PROFESSOR SAMBA - UMA HOMENAGEM A ISMAEL SILVA

Teatro João Caetano (Praça Tiradentes, s/nº, Centro)

Até 9/10, quartas e quintas (19h) | Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)