Por:

Lugar de estrela é no palco

Vou Fazer de Mim um Mundo | Foto: Valentina Lassen/Divulgação

Aos 80 anos e celebrando seis décadas de carreira, Zezé Motta retorna ao teatro com "Vou Fazer de Mim um Mundo", seu primeiro monólogo, que estreia nesta sexta-feira (15) no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil. A montagem, que já registrou lotação esgotada em Brasília e Belo Horizonte, permanece em cartaz até 5 de outubro, marcando o retorno da artista aos palcos após dez anos de ausência. O espetáculo adapta para o teatro o livro "Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola", autobiografia da escritora norte-americana Maya Angelou publicada em 1969.

A obra, considerada um clássico da literatura, retrata a comunidade negra dos Estados Unidos durante a segregação racial dos anos 1930 e 1940. Maya Angelou, que foi a primeira mulher negra a atuar como roteirista e diretora em Hollywood, conviveu com figuras como Malcolm X, James Baldwin e Martin Luther King Jr., tornando-se uma das personalidades mais reverenciadas do século XX.

A dramaturgia e direção têm a assinatura de Elissandro de Aquino, que desenvolveu uma montagem intimista centrada na valorização da palavra oral. "Partimos para um projeto bastante intimista, corajoso e potente. A ideia é cruzar duas realidades - a princípio tão distantes - e encontrar um elo entre as experiências humanas que nos atravessam como se não houvesse fronteiras", explica o diretor.

Segundo o encenador, o projeto "se abre em camadas, alternando micro e macro, o que o torna interessante e, ao mesmo tempo, desafiador. Sabemos que ele toca feridas diferentes, pois ora apresenta congruências coletivas, ora invade a nossa casa e expõe as dores mais veladas". O cenário, criado pelo artista plástico Claudio Partes, apresenta elementos simbólicos como uma plantação de algodão, nuvens e um livro de onde brotam as palavras recitadas pela atriz. A iluminação de Aurélio de Simoni constrói uma atmosfera que evoca memórias e afetos, enquanto o figurino de Margo Margot veste Zezé com uma paleta amarela que faz alusão a Oxum, seu orixá.

Outro destaque da montagem é sua trilha sonora, sob direção musical de Pedro Leal David, que mescla o blues com a música popular brasileira, criando pontes entre as experiências de Maya Angelou e Zezé Motta. "É a confluência de dois rios: Maya Angelou e Zezé Motta. Com suas carreiras atravessadas pela música é natural que se buscasse, em antigas gravações, pistas para esse processo de criação", afirma Pedro Leal David, destacando que as musicalidades de Maya e Zezé nos dão notícias distintas sobre como os ritmos, sons, tons da diáspora africana foram abrindo caminho ao longo do século XX, tanto nos Estados Unidos, como no Brasil. "Nossa proposta foi deixar esses rios se encontrarem, trazendo o blues pro violão de nylon, como quem levasse Baden Powell para um passeio nas margens do Mississipi, ou como quem imaginasse os Tincoãs, numa manhã de domingo, com suas vozes e atabaques, num culto em uma igreja da Louisiana", acrescenta o músico que, em cena, excuta com Mila Moura arranjos que transitam entre o blues e composições de Dorival Caymmi, Luiz Melodia, Luiz Gonzaga, Milton Nascimento, Johnny Alf, Dona Clementina e Seu Jorge.

Para Zezé Motta, o espetáculo representa uma exploração de território pouco habitual em sua trajetória artística. Conhecida por sua personalidade solar, a atriz se aventura em um universo mais introspectivo e político. A montagem explora a capacidade da atriz de sentir profundamente cada palavra, que "quando ditas, estranhamente vão abrindo chagas ou cicatrizando feridas".

A trajetória de Zezé inclui 14 discos gravados, mais de 100 personagens na televisão e no cinema, além de apresentações em palcos internacionais como o Carnegie Hall de Nova York e o Olympia de Paris. Cofundadora do Movimento Negro Unificado, a artista sempre utilizou sua visibilidade para denunciar casos de racismo e lutar por espaço e oportunidades para mulheres negras nas artes. Seu retorno aos palcos é um presente para o publico.

SERVIÇO

VOU FAZER DE MIM UM MUNDO

Teatro I do CCBB (Rua Primeiro de Março, 66 - Centro)

De 15/8 a 5/10, sextas e sábados (19h) e domingos (18h)*

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)

* Todas as sessões com acessibilidade em Libras e sessão de 27/9 com audiodescrição e bate-papo com a equipe após o espetáculo