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Ficções que nos movem

Vera Holtz em cena no monólogo 'Ficções' | Foto: Alê Catan/Divulgação

Aveterana Vera Holtz, aos 71 anos, traz ao palco do Polo Educacional Sesc, em Jacarepaguá, uma reflexão sobre as narrativas que moldaram a civilização humana. O espetáculo "Ficções", com direção de Rodrigo Portella, parte do bestseller "Sapiens: Uma Breve História da Humanidade", do historiador israelense Yuval Noah Harari, para questionar como conceitos abstratos como dinheiro, religião e nações se tornaram pilares da sociedade moderna. A partir desta sexta (8), o espetáculo inicia temporada no Teatro Adolpho Bloch, na Glória.

A montagem explora a capacidade única do Homo sapiens de criar e acreditar em realidades imaginárias que permitem a cooperação em massa. Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, tornou-se fenômeno editorial mundial ao demonstrar como essas "ficções compartilhadas" diferenciaram nossa espécie de outros primatas.

Portella, diretor com três décadas de carreira e múltiplos prêmios, conduz Vera Holtz em um mergulho nas ideias do autor israelense, transformando conceitos antropológicos complexos em experiência teatral acessível. A atriz, que completou 71 anos justamente no dia da apresentação, também participará da Aula Magna da Escola Sesc de Artes Dramáticas, compartilhando sua vasta experiência em teatro, TV e cinema.

 

Uma experiência teatral que dialoga com o livro

Vera Holtz e Federico Puppi constróem um envolvimento musical em 'Ficções' | Foto: Divulgação

O fenômeno editorial que vendeu mais de 23 milhões de exemplares pelo mundo encontrou sua versão cênica. "Sapiens - uma breve história da humanidade", do historiador israelense Yuval Noah Harari, inspirou o espetáculo "Ficções". A montagem de Rodrigo Portella encenada por Vera Holtz não se propõe a adaptar literalmente o ensaio publicado em 2014, mas estabelece um diálogo criativo com suas premissas centrais sobre a capacidade humana de criar narrativas coletivas.

A obra de Harari defende que nossa espécie se distingue das demais pela habilidade de inventar ficções compartilhadas - desde conceitos como nação e religião até sistemas políticos e econômicos. Paradoxalmente, apesar de todo nosso poder civilizatório, não nos tornamos mais felizes que nossos ancestrais. Essa reflexão provocativa encontrou eco no teatro através da iniciativa do produtor Felipe Heráclito Lima, que adquiriu os direitos de adaptação em 2019.

"É um livro que permite uma centena de reflexões a partir do momento em que nos pensamos como espécie e que, obviamente, dialoga com todo mundo. Acho que esse é o principal mérito da obra dele", analisa Lima sobre a escolha do material. A inevitável analogia entre as teses de Harari e a própria natureza teatral - ambas criadoras de mundos ficcionais - seduziu o encenador Rodrigo Portella, que desenvolveu uma dramaturgia original inspirada no ensaio.

Longe de uma transposição direta, Portella optou por uma estrutura fragmentada que espelha a complexidade das questões levantadas pelo autor. "Ao começar a ler, entendi que não era isso. Era preciso construir uma dramaturgia original a partir das premissas do Harari que seriam interessantes para o espetáculo. Em nenhum momento, no entanto, a gente quer dar conta do livro na peça. Na verdade, é um diálogo que a gente está estabelecendo com a obra", enfatiza o diretor.

A opção estética privilegia a participação ativa do público na construção de sentidos. "Eu queria fazer uma peça que fosse espatifada, não é aquela montagem que é uma história, que pega na mão do espectador e o leva no caminho da fábula. Quis ir por um caminho onde o espectador é convidado, provocado a construir essa peça com a gente. É uma espécie de jam session. É uma performance em construção", descreve Portella sobre a concepção dramatúrgica.

O processo criativo contou com a interlocução de Bianca Ramoneda, Milla Fernandez e Miwa Yanagizawa, que acompanharam o desenvolvimento sem assinar a autoria. "Mesmo sem colaborar diretamente no texto, elas foram acompanhando, balizando a minha criação, foram conversas que me ajudaram a alinhar a direção, o caminho que daria para o espetáculo", revela o diretor.

Em cena, Vera Holtz transita entre múltiplas personas - personagens do livro, criações originais e a própria atriz em sua dimensão real. A veterana intérprete canta, improvisa, dialoga diretamente com as ideias de Harari e provoca a plateia em constante interação com o músico Federico Puppi, responsável pela trilha sonora original e pela presença musical ao vivo. "Eu gosto muito desse recorte que o Rodrigo fez, de poder criar e descriar, de trabalhar com o imaginário da plateia", destaca a atriz.

A proposta exige dela uma versatilidade interpretativa que vai além da representação tradicional. "O desafio é essa ciranda de personagens, que vai provocando, atiçando o espectador. Não se pode cristalizar, tem que estar o tempo todo oxigenada", completa Vera sobre a natureza fluida de sua performance. Portella confirma a intenção de proximidade: "É um espetáculo íntimo, quem for lá vai se conectar com a Vera, ela está muito próxima, tem uma relação muito direta com o espectador".

A montagem materializa no palco a própria reflexão central do livro de Harari sobre nossa relação com as ficções que criamos. Ao explicitar constantemente sua condição de representação teatral, "Ficções" questiona não apenas as narrativas civilizatórias que nos organizam como sociedade, mas também os mecanismos pelos quais construímos sentido através da arte.

SERVIÇO

FICÇÕES

Polo Educacional Sesc (Av. Ayrton Senna, 5677 - Jacarepaguá)

7/8, às 19h

Entrada gratuita, com ingressos distribuídos uma hora antes da apresentação

Teatro Adolpho Bloch (Rua do Russel, 804 - Glória)

De 8 a 24/8, às sextas e sábados (20h) e Domingos (18h)

Ingressos a partir de R$ 50 e R$ 25 (meia)