Por: Affonso Nunes

Uma ode cômica (e reflexiva) à língua portuguesa

O Céu da Língua | Foto: Annelize Tozetto/Festival de Curitiba

Após uma bem-sucedida turnê por dezenas de cidades no Brasil e em Portugal, que atraiu mais de 60 mil espectadores, o espetáculo "O Céu da Língua", estrelado e escrito por Gregório Duvivier, faz nova temporada no Rio a partir desta quinta-feira (7). A montagem, dirigida por Luciana Paes, estará em cartaz no Teatro Casa Grande, no Leblon.

Em formato de monólogo cômico, Duvivier propõe uma reflexão sobre a presença, muitas vezes invisível, da poesia no cotidiano. O artista, que é formado em Letras pela PUC-Rio e autor de três livros sobre o gênero literário, busca desmistificar a poesia, apresentando-a como algo prazeroso e divertido, acessível a todos. "A poesia é uma fonte de humor involuntário, motivo de chacota", reconhece o ator. "Escrevi uma peça que pode ajudar alguém a enxergar melhor o que os poetas querem dizer e, para isso, a gente precisa trocar os óculos de leitura".

A direção de Luciana Paes, conhecida por sua parceria com Gregório nos improvisos do espetáculo "Portátil" e uma das fundadoras da Cia. Hiato, marca sua estreia na função de diretora teatral. "Acredito que o Gregório tem ideias para jogar no mundo e, com essa crença, a coisa me move independentemente de qualquer rótulo", diz Luciana. No palco, a cenografia de Dina Salem Levy e a ambientação musical de Pedro Aune, que utiliza o contrabaixo, complementam a atuação de Duvivier. Theodora Duvivier, irmã do comediante, é responsável pela criação visual e projeções exibidas ao fundo da cena.

"O Céu da Língua" não se configura como um recital tradicional. Segundo Luciana Paes, a dramaturgia de Gregório não deixa de ser poética neste "stand-up comedy pegadinha", como ela bem define. "O Gregório simpático e engraçado está no palco ao lado do Gregório intelectual com seu fluxo de pensamento ininterrupto e imagino que, por isso, a plateia deve embarcar na proposta", aposta a diretora. "Ele, graças aos seus recursos de ator, pega o público distraído e ninguém resiste quando é surpreendido por alguém apaixonado." A peça aborda a obsessão de Duvivier pela palavra, pela comunicação verbal e pela língua portuguesa, explorando desde as reformas ortográficas e a ressurreição de palavras esquecidas até o humor extraído de termos que geram sensações estranhas.

Para o artista, a língua é algo que nos une, nos move, mas raramente damos atenção a ela. É só pensar nas metáforas usadas no cotidiano - "batata da perna", "céu da boca", "pisando em ovos". Nesta hora, usamos a poesia e nem percebemos. O espetáculo também destaca a poesia presente em metáforas cotidianas e homenageia grandes letristas da música brasileira, como Orestes Barbosa e Caetano Veloso, cujas canções "Chão de Estrelas" e "Livros" são citadas. "Os nossos compositores conseguiram realizar o sonho de Oswald de Andrade de levar poesia para as massas", festeja o ator.

Nesta cumplicidade com a plateia, Gregório mostra gradativamente que a poesia não tem nada de hermética e, claro, homenageia Portugal, o país que emprestou ao Brasil a sua língua para que todos se comunicassem. Além de Fernando Pessoa, o ator evoca o poeta Eugênio de Andrade e lembra de que a origem de "O Céu da Língua" está relacionada ao espetáculo "Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar". O divertido intercâmbio linguístico colocou no mesmo palco Gregório e o humorista luso Ricardo Araújo Pereira em improvisações sobre o idioma que os une. "Ele é um cara apaixonado pela palavra, então, a gente entrava em cena e falava, emendava um assunto no outro e, quando acabava a peça, ainda tinha muito a dizer", lembra Gregório.

Vem de Portugal também uma das maiores inspiração de Gregório, inclusive para a criação do coletivo "Porta dos Fundos", que, a partir de 2012, ditou através da internet uma nova linguagem de humor no Brasil. Trata-se do Gato Fedorento, quarteto formado em 2003 por humoristas portugueses, entre eles Araújo Pereira. Depois de criarem um blog, os integrantes do Gato Fedorento chegaram até a televisão e lotaram teatros, influenciando Gregório e os colegas brasileiros Antônio Tabet, Fábio Porchat, João Vicente de Castro e Ian SBF no "Porta dos Fundos". "Temos uma reparação a fazer porque o Brasil recolonizou Portugal, e eles consomem muito mais a cultura brasileira que a deles", avalia Gregório. "Por isso, esse intercâmbio deve ser mais explorado porque existem coisas geniais que não conhecemos."

SERVIÇO

O CÉU DA LÍNGUA

Teatro Casa Grande (Av. Afrânio de Melo Franco, 291 - leblon)

De 7 a 31/8, de quinta a sábado (19h) e domingos (16h)

Ingressos a partir de R$ 80 e R$ 40 (meia)