Por:

Face a face com realidades alteradas

André Dale, Leandro Soares e George Sauma em 'A Máscara', um dos atos de 'A Coisa' | Foto: Lua Blanco/Divulgação

O teatro como espelho distorcido da realidade contemporânea está na essência de "A Coisa", um trabalho colaborativo de André Dale, George Sauma e Leandro Soares que assinam em conjunto a concepção, direção e atuação de uma comédia que dialoga diretamente com as ansiedades do mundo atual, estabelecendo pontes entre o palco e as distopias que povoam o imaginário das séries televisivas mais inquietantes da atualidade.

A proposta dramatúrgica, desenvolvida por Leandro, constrói uma realidade alterada que ecoa as atmosferas perturbadoras de produções como "Ruptura" e "Black Mirror", mas transpõe essas referências para o universo específico do fazer teatral. O resultado é uma reflexão metalinguística que transforma os próprios pilares da arte cênica - direção, dramaturgia e atuação - em elementos centrais da narrativa, criando um jogo de espelhos entre a ficção apresentada e o processo criativo que a sustenta.

No primeiro ato do espetáculo, entitulado "A Coisa", dois amigos descobrem que talvez nunca tenham exercido real controle sobre suas próprias ações, ecoando questões sobre livre-arbítrio que permeiam as distopias contemporâneas.

Em "O Enigma", desenvolve-se um jogo de segredos entre estranhos que desafia a lógica convencional. E "A Máscara" confronta três atores com uma crise radical: a perda total da expressão facial, metáfora poderosa sobre a comunicação humana em tempos virtuais.

O trabalho colaborativo do trio se manifesta não apenas na divisão de responsabilidades criativas, mas na própria concepção estética do espetáculo. A opção por assumirem simultaneamente as funções de criadores, diretores e intérpretes reflete uma abordagem artesanal que contrasta com a mecanização temática explorada na dramaturgia. Essa escolha metodológica reforça o caráter presencial e artesanal do teatro, apresentado como resistência à impermanência e virtualização.

A dramaturgia intercala os três atos principais com solos e entreatos que expandem a reflexão metalinguística para outros elementos cênicos fundamentais: iluminação, bastidores, projeções. Essa estrutura fragmentada espelha a própria natureza episódica das narrativas seriadas que servem de referência, mas mantém a especificidade teatral como elemento diferenciador. O teatro surge, assim, como metáfora da vida não apenas por sua natureza efêmera, mas por sua capacidade única de criar presença e comunhão em um mundo crescentemente mediado por telas.

A estrutura cômica da narrativa acerta ao abordar questões existenciais complexas e absurdas da existência humana sem cair na tentação do didatismo.

SERVIÇO

A COISA

Teatro Ipanema Rubens Corrêa (Rua Prudente de Morais, 824)

Até 3/8, de sextas a domingo (20h) | Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia)