Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Relações que fazem adoecer

Takotsubo, Coração Partido | Foto: Marcelo Cortes/Divulgação

Da dor que o corpo guarda em silêncio e do coração que grita quando não consegue mais suportar, nasce o espetáculo "Takotsubo - Coração Partido", em cartaz no Teatro Laura Alvim. Trata-se de uma ficção documental inspirada na síndrome real que atinge, em sua maioria, mulheres abaladas por emoções extremas. A peça, escrita e protagonizada por Monica Guimarães e Claudia Mauro, mergulha nos efeitos do trauma e da perda, revelando como o estresse emocional pode, literalmente, quebrar o coração.

A Síndrome de Takotsubo, termo originado do japonês que significa "armadilha de polvo", é uma condição médica que enfraquece temporariamente o músculo cardíaco após eventos emocionais intensos. Muito confundida com um infarto, essa cardiomiopatia por estresse afeta principalmente mulheres na meia-idade e pode ter consequências graves, como insuficiência cardíaca, sequelas permanentes ou até a morte.

No palco, essa realidade é representada por Eleonora, uma mulher de 50 anos, classe média alta da zona sul carioca, recém-separada de um relacionamento abusivo. Em coma, ela revisita mentalmente sua história, dores e escolhas, buscando sentido e cura. A peça é uma jornada íntima que propõe, acima de tudo, um renascimento emocional.

Para o diretor Édio Nunes, encenar histórias com base em experiências pessoais é sempre um desafio profundo. "Takotsubo me obriga a ir fundo nas minhas próprias questões. É um presente mergulhar num drama com tantas camadas", afirma ele, ao comentar o processo criativo e o envolvimento emocional com o tema.

Mas o mergulho foi além da dramaturgia. Durante a preparação do espetáculo, Édio se deparou com uma realidade que o surpreendeu. "Eu nunca tive o coração partido, mas, pelo que soube por meio de pesquisas e estudos, essa condição afeta principalmente mulheres com mais de 50 anos, submetidas a altos níveis de estresse emocional. Muitas vezes confundida com infarto do miocárdio, a chamada Síndrome do Coração Partido — ou Takotsubo — foi identificada em casos extremos, como o da Mônica, que teve apenas 1% de chance de sobrevivência", relata.

Impactado pelos dados e pelos relatos, o diretor não esconde a indignação. "Fiquei profundamente surpreso, e indignado, com o quanto o sofrimento emocional, muitas vezes causado por relações abusivas e contextos familiares opressivos, pode impactar a saúde de forma tão severa. Considero um ato criminoso levar uma mulher a esse ponto de ruptura, especialmente em uma sociedade que já impõe a elas múltiplas jornadas e cobranças constantes."

A atriz Monica Guimarães enfatiza a importância de trazer essa síndrome ainda pouco conhecida à luz. "Muitos desconhecem os efeitos físicos do sofrimento emocional. O teatro tem um poder social imenso de despertar empatia e compreensão. É uma ponte entre o invisível e o coletivo", aponta.

A co-diretora Larissa Bracher reforça que o processo de criação foi harmonioso e enriquecedor. "É raro dividir a direção com tamanha sintonia. Desde o início, parecia que trabalhávamos juntos há anos", diz. Ela destaca também o caráter curativo da peça. "É sobre uma mulher que aprende a dizer 'não', a se respeitar. É teatro como ferramenta de reflexão e transformação."

Cláudia Mauro, que divide o protagonismo, vê o espetáculo como um espelho emocional. "É impossível sair ileso. A peça joga luz sobre relações adoecidas, escolhas negadas e dores reprimidas. Todos nós, em algum momento, já estivemos à beira desse abismo."

Além de dar visibilidade à síndrome de Takotsubo, o espetáculo quebra estigmas em torno da saúde emocional, apresentando uma narrativa feminina potente, vulnerável e universal. O texto impacta porque toca em feridas comuns e convida o público a olhar para dentro.

Para Édio, essa força também vem da entrega do elenco, especialmente de Cláudia Mauro. "Trabalhar com a Cláudia é sempre um encontro profundo. A gente convive há mais de 20 anos, e, nos últimos oito, de forma intensa. Ela é uma extensão da minha casa, da minha sala de ensaio. A Cláudia entende minha visão de cena, a gente debate, discorda, mas sempre em nome da excelência. A dedicação dela é visceral."

O diretor reforça que tudo isso torna o espetáculo ainda mais potente. "É uma experiência visceral, tanto para os atores quanto para o público. A palavra e o corpo são os fios condutores. É nesse encontro que reside a força da cena", conclui Édio Nunes.

Mais do que um diagnóstico médico, "Takotsubo - Coração Partido" é uma metáfora de um corpo que pede pausa, de um coração que se recusa a morrer calado. Uma obra sensível e necessária, que transforma a dor em arte e o palco em lugar de cura.

SERVIÇO

TAKOTSUBO, CORAÇÃO PARTIDO

Casa de Cultura Laura Alvim - Teatro Rogério Cardoso (Av. Vieira Souto, 176 - Ipanema)

Até 3/8, sábados (19h) e domingos (18h)

Ingressos: R$ 60 (meia) R$ 30 (inteira)