Existe um passado apagado no Brasil. O descobrimento, a independência, a abolição, as ditas "revoluções". Mas é um passado que, como um fantasma meio zumbi, exige coragem para ser encarado, pois é incapaz de morrer. Os artistas negros, especialmente nas artes cênicas, vêm de longe — talentos antes isolados, mas cujos legados permanecem vivos até hoje, surpreendendo-nos com a seguinte pergunta: como não percebemos antes?
Assim, a peça "Ruth & Léa" é um encontro emocionante entre o passado e o presente da dramaturgia negra brasileira, conduzido com inventividade, talento e total maestria pelo diretor Luiz Antonio Pilar, verdadeiro artesão das imagens e da arte da representação, que constrói uma narrativa em que passado, presente, depoimentos e atuação das atrizes se entrelaçam sem dramas excessivos ou exageros, dando vida à história que não foi contada.
O texto, sensível e certeiro, assinado por Dione Carlos, mergulha nas memórias de Ruth de Souza e Léa Garcia com poesia, afeto e dignidade. Mais do que uma biografia dramatizada, o espetáculo é um tributo vivo e pulsante à resistência, ao talento e à representatividade de duas artistas que abriram caminhos em meio a tantos silêncios históricos.
As atrizes Bárbara Reis e Ivy Souza entregam atuações de profunda humanidade, construindo em cena uma conexão que ultrapassa o tempo e os personagens. A química entre elas emociona e sustenta a narrativa com delicadeza e força. Elas interpretam não apenas Ruth e Léa, mas também uma linhagem inteira de mulheres negras que marcaram a arte brasileira. A construção das personagens é tão verdadeira que o público se sente parte do processo. É uma entrega que não grita, mas reverbera fundo, como um sussurro cheio de história.
Pilar, no entanto, não se compromete apenas com uma causa. Seu compromisso é com a memória coletiva, que não se resume a Ruth e Léa. Figuras históricas como Abdias do Nascimento, Mercedes Baptista e Aguinaldo Camargo retornam ao presente em fotos, filmes, vozes e textos. A peça ensina sem ser didática, sem recorrer à dor como ferramenta principal.
SERVIÇO
RUTH & LÉA
Teatro Glaucio Gil (Praça Cardeal Arcoverde s/nº, Copacabana)
Até 28/7, sábado a segunda (20h)
Ingressos: R$ 60, R$ 30 (meia) e R$ 20 (vale cultura e passaporte cultural)