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Traumas paternos em solo visceral

Guilherme Logullo tem atuação visceral no monólogo 'Pai' | Foto: Dan Coelho/Divulgação

Depois de esgotar ingressos no Rio de Janeiro e conquistar o público paulistano, o solo teatral "Pai" volta à cidade em nova temporada na Sala Multiuso do Sesc Copacabana. O espetáculo mergulha nas complexas relações entre pais e filhos, especialmente quando marcadas pela violência e pelo abandono emocional.

Criado e protagonizado por Guilherme Logullo, "Pai" nasce da necessidade do artista de transformar experiências traumáticas em linguagem artística. O ator e criador não esconde que a dramaturgia brota de suas próprias vivências com uma figura paterna abusiva. Mas vai além do relato autobiográfico para alcançar uma dimensão mais abrangente sobre os impactos da violência doméstica na formação da identidade masculina.

"Quis trazer à tona o espetáculo para dar novos significados às vivências paternas violentas e difíceis que enfrentei em minha vida. De alguma forma, transformando isso em arte, em teatro, eu ganho força, libertação e clareza de tudo que vivi", explica Logullo, que vê na criação artística um caminho tanto de elaboração pessoal quanto de provocação social. O objetivo da montagem, destaca, vai além da catarse individual. "Muito além de expor e compartilhar tais experiências, o objetivo é provocar mudanças e gerar aprendizado".

A direção tem a assinatura do armênio Arthur Makaryan, nome em ascensão na cena teatral nova-iorquina que faz sua estreia no teatro brasileiro justamente com este projeto. Com dez anos de experiência dirigindo em Nova York e passagens por instituições prestigiadas como The Juilliard School, Makaryan traz para o espetáculo uma bagagem internacional que inclui estudos no Grotowski Institute, na Polônia, na Suzuki Company, no Japão, e no Odin Teatret, na Dinamarca. Sua formação também passou pelo Théâtre de l'Opprimé, na França, onde trabalhou com o premiado diretor ítalo-brasileiro Rui Frati.

O encontro entre Logullo e Makaryan resultou numa criação colaborativa que durou um mês de residência artística no Rio. Juntos, desenvolveram uma dramaturgia que mescla elementos do teatro do absurdo, da dança Butoh e da autoficção, criando uma linguagem cênica que desafia as convenções teatrais tradicionais.

"Assim que soube do projeto, senti uma faísca, uma vontade de fazer. Sinto que o Guilherme está profundamente comprometido com este trabalho", revela Makaryan, que encontrou no projeto uma oportunidade de explorar facetas mais íntimas de sua criação, contrastando com as produções grandiosas típicas do cenário nova-iorquino.

Em cena, o espectador encontra um homem isolado num espaço despojado, onde as fronteiras entre passado e presente se dissolvem numa narrativa não-linear. A performance visceral de Logullo conduz o público por uma jornada marcada por silêncios eloquentes, gestos de controle e raros momentos de afeto, construindo um retrato complexo das masculinidades feridas pela violência familiar. O solo não se limita a expor feridas, mas propõe caminhos de reconstrução e possibilidade de cura, questionando padrões de comportamento que se perpetuam através das gerações.

"O processo de criação foi parecido com uma colagem, com as cenas surgindo aos poucos. Juntos, nós fomos juntando as peças, criando as cenas e as mensagens que queríamos transmitir, para produzir algo lindo e realmente marcante para o público", detalha Makaryan sobre a metodologia de trabalho que privilegiou a construção orgânica da dramaturgia.

A montagem conta ainda com cenografia de Marieta Spada, figurinos de Karen Brusttolin, desenho de luz de Paulo Denizot e música original de João Paulo Mendonça, numa criação que privilegia a economia de recursos em favor da intensidade expressiva. "Muito além de expor, meu desejo é ressignificar. Transformar a dor em arte e abrir caminhos de libertação", sintetiza Logullo sobre um trabalho que se insere numa tradição teatral que vê na arte uma ferramenta de transformação social e pessoal.

Serviço

PAI

Sala Multiuso do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160

De 22/7 a 27/8, às terças e quartas-feiras (19h)

Ingressos: R$ xx e R$ xx (meia)