A Sala da Cinemateca do MAM-RJ recebe nesta sexta e sábado (18 e 19) a performance "Trópicos Mecânicos (Mueda)", que marca a estreia no Brasil do Teatro Griot, companhia luso-angolana reconhecida como o primeiro grupo de teatro negro em atividade contínua em Portugal, em parceria com o cineasta brasileiro Felipe M. Bragança e a atriz portuguesa Catarina Wallenstein. A obra presta homenagem ao veterano cineasta moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, de 94 anos, que estará presente nas apresentações.
O espetáculo revisita um dos episódios mais traumáticos da história colonial africana: o massacre de Mueda, ocorrido em 1969, quando mais de 300 moçambicanos foram mortos pelo exército português. A performance dialoga diretamente com o filme "Mueda - Memória e Massacre" (1979), dirigido por Guerra e considerado o primeiro longa-metragem do Moçambique independente. Através de uma estética futurista que mescla teatro e cinema, a montagem propõe uma reflexão sobre memória colonial, identidade e as possibilidades de futuro para além das cicatrizes históricas.
A narrativa acompanha um viajante do tempo que tenta retornar ao dia do massacre, mas se vê aprisionado nas memórias cinematográficas do evento. Auxiliado por personagens que transitam entre o real e o fantástico - um ator esquecido, uma mulher ciborgue e o fantasma de uma cantora -, ele busca responder à questão central da obra: "para onde vai um futuro que nunca chega?". O elenco reúne Zia Soares, Daniel Martinho, Gio Lourenço, Matamba Joaquim e Catarina Wallenstein, com trilha sonora original dos moçambicanos Selma Uamusse, Milton Gulli e 40D.
A gênese do projeto remonta às pesquisas de Bragança para seu filme "Um Animal Amarelo" (2020), quando se deparou com a obra do cineasta. "Nas pesquisas, me deparei com o filme de Ruy Guerra, 'Mueda', e fiquei encantado com a ideia daquela comunidade que repetia, em um ritual teatral e catártico, o dia do massacre em que o exército de ocupação colonial português ceifou tantas vidas", relata o cineasta. O encontro com o Teatro Griot em Lisboa, em 2018, consolidou a parceria que resultaria na performance.
Fundado em 2005, o grupo desenvolve trabalhos que abordam a experiência negra, o passado colonial e a diáspora africana, temas que se alinham perfeitamente com a proposta de "Trópicos Mecânicos (Mueda)". A companhia já apresentou a performance em Lisboa e Berlim desde sua criação em 2021, especialmente concebida para celebrar os 90 anos de Ruy Guerra. "Devíamos ao grande Ruy, hoje com 94 anos, uma apresentação no Brasil. Será muito forte poder mostrar a ele o que criamos e revisitar as memórias do 'Massacre de Mueda', que em 2025, completou 65 anos", afirma Bragança.
A escolha pela estética futurista responde a uma necessidade conceitual. "O massacre de Mueda figura como um dos maiores marcos históricos da formação do Moçambique independente. Sua memória, eternizada no tempo e no filme de Ruy Guerra, faz dele uma espécie de ferida aberta e de monolito incontornável", explica o diretor. A performance propõe pensar a memória colonial como "uma ruína translúcida através da qual emergiria a projeção de futuros possíveis", transformando teatro e cinema em "máquinas do tempo".
A montagem incorpora trechos do filme original, erguendo uma ponte entre passado e presente, memória e projeção. Entre fantasmas do passado e visões do futuro, a obra transforma a cena em ritual, estabelecendo o teatro como "um gesto urgente de reinvenção do tempo". A performance questiona não apenas os traumas coloniais, mas as possibilidades de superação e construção de novos horizontes a partir do reconhecimento e elaboração dessas feridas históricas.
SERVIÇO
TRÓPICOS MECÂNICOS (MUEDA)
Sala da Cinemateca do MAM - RJ (Av. Infante Dom Henrique, 85, Aterro do Flamengo)
18 e 19/7, às 19h
Entrada franca, com retirada de ingressos no link https://encr.pw/RHgvz