Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Leandro Santanna: 'Eu me interesso por artistas que transbordam'

Ator, diretor e gestor cultural, Leandro Santanna leva aos palcos a vida e trajetória de Zé Ketti, um dos gênios do samba | Foto: Caio Cezar/Divulgação

A trajetória de Leandro Santanna é uma das mais inspiradoras do teatro contemporâneo brasileiro. Ator, diretor, gestor e militante cultural, ele consolidou-se como uma voz firme na luta pela valorização da presença preta nos palcos. Com uma carreira que mescla sensibilidade artística e engajamento político, Leandro foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro, reconhecimento máximo da cena nacional, e também integrou o júri da premiação — um duplo testemunho de sua relevância para o setor. Além disso, sua passagem como Secretário de Cultura de Queimados, na Baixada Fluminense, demonstrou seu compromisso em ampliar o acesso às artes e à produção cultural em territórios historicamente marginalizados.

No palco, Leandro sempre entendeu que seu corpo negro tem potência simbólica. Por isso, fez de sua presença cênica uma afirmação política e poética, abrindo espaço para outras vozes e narrativas negras. Ao longo dos anos, ele encarnou personagens que revelam as camadas mais profundas da vivência afro-brasileira, trazendo à tona histórias muitas vezes silenciadas pelo cânone teatral tradicional. Sua atuação é reconhecida pela entrega intensa, pelo rigor estético e por um senso ético que conecta arte e sociedade de forma viva.

É nesse contexto que surge sua nova empreitada: dar vida a Zé Ketti, figura essencial da cultura popular brasileira. Símbolo do samba e da resistência, Ketti é também um ícone de identidade, orgulho e ancestralidade. Leandro mergulha nesse papel com afeto e pesquisa, costurando a trajetória do compositor com a sua própria experiência enquanto artista negro. O espetáculo não se limita a uma biografia musical; é um gesto de reaproximação com a memória cultural do país, um convite à reflexão sobre quem conta as histórias do Brasil e a quem elas pertencem.

Nesta entrevista, conversamos com Leandro sobre o processo de criação do personagem, os desafios de representar Zé Ketti em Zé Ketti, Eu Quero Matar a Saudade e os caminhos que ele tem trilhado para ampliar a presença negra nas artes cênicas. Falamos também sobre a importância da representatividade nos palcos, o impacto do teatro como instrumento de transformação social e os projetos futuros que continuam a alimentar seu compromisso com a cultura preta. Uma conversa necessária, potente — e profundamente inspiradora.

O que te inspirou a criar a peça sobre Zé Ketti?

Leandro Santanna - Há tempos dedico minhas produções à valorização de personalidades negras da nossa arte, que, no meu entendimento, ainda recebem menos destaque do que deveriam. Eu e Marcelo Viégas começamos a escrever projetos sobre nossas referências, e o Zé Ketti sempre me inspirou. Ele se reinventava, jogava nas 11, compôs obras-primas, dirigiu o Zi-Cartola, criou projetos de lei para valorizar músicos e sempre lançava ideias coletivas. Eu me interesso por artistas que transbordam.

Qual a importância de Zé Ketti para a cultura brasileira e para você pessoalmente?

Zé Ketti é um símbolo de resistência, criatividade e coletividade. Ele representa uma era da música brasileira em que o samba era também uma forma de afirmação social e política. Para mim, ele é inspiração não só como artista, mas como cidadão ativo, que lutava por espaço, dignidade e cultura.

Como foi o processo de pesquisa e construção dramatúrgica da peça?

Márcio Vieira foi o maestro desse processo, juntando minha ideia, o projeto do Viégas, o texto do Cadú e um elenco incrível. A gente se reuniu pra pesquisar, ouvir a Geisa Ketti, e cada um trouxe uma peça fundamental. Fernanda Sabôt, NegaWal e Clarissa Waldeck mergulharam na pesquisa musical. E a Beà chegou com uma direção musical maravilhosa que deu brilho ao espetáculo.

Quais foram os maiores desafios durante a criação do espetáculo?

O maior desafio foi traduzir a complexidade do Zé Ketti em cena sem simplificá-lo. Ele foi muito mais do que um sambista - foi pensador, criador de projetos, articulador cultural. Construir essa narrativa plural e ainda manter leveza e musicalidade foi um grande equilíbrio a ser alcançado.

Que sentimento você espera que o público leve após assistir à peça?

As pessoas saem emocionadas, com um sentimento nostálgico e bom, lembrando dos bailes de carnaval e de uma era da música onde as harmonias tinham peso. É comum ver gente cantarolando as obras imortais do poeta carioca ao sair do teatro, e isso é muito gratificante.

O que mais te surpreendeu durante esse processo?

A força coletiva. O quanto cada pessoa envolvida trouxe algo essencial. E o quanto a memória do Zé Ketti, mesmo para quem não viveu a época, ainda desperta afeto, respeito e identidade.

SERVIÇO

ZÉ KETTI, EU QUERO MATAR A SAUDADE!

Teatro Municipal Ziembinski (Av. Heitor Beltrão s/nº - Tijuca)

Até 30/7, às terças e quartas-feiras (19h)

Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)