A literatura de Caio Fernando Abreu ganha nova vida nos palcos cariocas com o retorno do espetáculo "Solidão de Caio F." ao Teatro Glauce Rocha, no Centro, a partir deste sábado (5). A montagem mergulha no universo íntimo do escritor gaúcho através de uma montagem que entrelaça dois de seus contos mais emblemáticos com correspondências pessoais dos anos finais de sua vida.
Sob direção de Alexandre Mello, a peça constrói um diálogo poético entre "Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na beira do sanga" e "Dama da Noite", dois contos que exploram a solidão urbana e a busca por conexões genuínas nas grandes cidades. O roteiro de Hilton Vasconcellos incorpora ainda cartas escritas pelo autor entre 1987 e 1990, período em que Caio Fernando Abreu enfrentava tanto o avanço da Aids quanto o isolamento social decorrente do preconceito da época.
Na proposta cênica de Mello, um único escritor se desdobra em dois personagens que habitam o mesmo espaço mas pertencem a narrativas distintas. Os atores Hilton Vasconcellos e Rick Yates interpretam, respectivamente, o cérebro e o coração do autor, alternando entre os papéis de criador e criatura em uma dança teatral que evita o encontro direto entre os personagens. A cenografia se inspira no famoso quadro "O Quarto", de Van Gogh, transformando o ambiente em espaço de memória e reflexão.
"Este monólogo-tributo foi escrito durante a pandemia, quando a palavra de Caio parecia 'gritar pelos cantos'. Suas crônicas e cartas nos anos 1990 denunciavam a ignorância em torno de um vírus, também desconhecido, e desmascaravam a covardia dos que usavam a epidemia para impor o ódio e o preconceito", explica Hilton Vasconcellos, que já havia se dedicado ao universo do escritor em 2012, quando permaneceu oito meses em cartaz com "Homens de Caio F.", dirigida por Delson Antunes.
"Solidão de Caio F." dialoga diretamente com questões contemporâneas ao abordar temas como homofobia, desinformação sobre doenças e isolamento social. Rick Yates destaca a potência visual da prosa de Caio Fernando Abreu: "As palavras de Caio parecem ter sido feitas para as ações que nascem no coração. Tudo ali é à flor da pele e nos emociona. O que é descritivo nos seus textos é cinematográfico, gerando imagens que ativam todos os nossos sentidos."
O espetáculo situa a obra de Caio Fernando Abreu no contexto de uma geração que atravessou múltiplas transformações culturais, dos movimentos hippies aos clubbers dos anos 1980, sendo devastada pela epidemia de Aids.
Morto em 1996, aos 47 anos, Caio Fernando Abreu deixou uma obra que permanece atual em sua abordagem da solidão metropolitana e dos conflitos identitários. Seus contos, marcados por uma narrativa cinematográfica e linguagem ao mesmo tempo delicada e ácida, retratam personagens em busca de autenticidade em meio ao caos urbano.
SERVIÇO
SOLIDÃO DE CAIO F.
Teatro Glauce Rocha (Av. Rio Branco, 179 - Centro)
De 5 a 27/7, sextas e sábados (19h) e domingos (18h)
Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia)