Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

'Prima Facie', a anatomia deum sucesso

Débora Falabella em cena do monólgo no 'Prima Facie', que volta aos palcos cariocas no I Festival de Teatro | Foto: Annelize Tozetto/Divulgação

Em um tempo marcado por dados alarmantes sobre violência contra mulheres, a peça teatral "Prima Facie" ressurge como um grito necessário e urgente. Escrita pela australiana Suzie Miller e encenada em diversos países, a obra ganhou destaque também no Brasil por tocar em feridas profundas do sistema de justiça — especialmente quando a vítima é mulher.

Com Débora Falabella em seu primeiro solo teatral, sob direção de Yara de Novaes, a montagem estreou em abril de 2024, no Rio, e se tornou um fenômeno de público imediato, com sessões extras e um debate que reuniu advogadas de diferentes esferas. "Desde então, desde a estreia, em abril de 2024, 'Prima Facie' teve uma resposta imediata do público. Estamos há mais de um ano em cartaz com todas as sessões esgotadas e com mais de 17 indicações a prêmios", conta o produtor Luciano Borges. Em agosto, o espetáculo foi apresentado em Brasília e contou com a presença da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, do ex-ministro Ayres Britto e da subprocuradora-geral da República, Raquel Dodge, para uma conversa após a sessão.

Com temporadas lotadas em Brasília, no Festival de Curitiba e oito meses de ingressos esgotados em São Paulo, "Prima Facie" retorna ao Rio a partir desta sexta-feira (27), no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea.

A trama acompanha Tessa, advogada criminalista especializada em defender homens acusados de crimes sexuais. Até que, em uma reviravolta dolorosa, ela mesma é vítima de estupro. O monólogo intenso revela a transformação de sua visão sobre o sistema: as brechas legais, os critérios de julgamento e o poder da palavra feminina diante de uma estrutura ainda enviesada.

O sucesso da peça, consagrado com prêmios e plateias emocionadas em Londres, Nova Iorque, São Paulo e outras capitais, transcende o plano artístico — é também um gesto político e social. "O meu primeiro contato com a peça foi em Londres, onde tive a oportunidade de assistir o espetáculo, saí do teatro arrebatado pela força e importância daquele texto. No dia seguinte entrei em contato com os representantes da autora em Londres e iniciamos as negociações da compra dos direitos para trazer para o Brasil", relembra Borges. A descoberta do texto por Débora Falabella aconteceu de forma quase providencial: "Eu estava atrás de um texto para montar, vontade de fazer um monólogo. Já sabia desse texto, tinha lido uma versão em inglês, já tinha pesquisado sobre ele e sobre a montagem de Londres", conta a atriz. "Logo em seguida que fechamos os direitos do espetáculo liguei para a Débora para fazer o convite e, por uma grande coincidência ou destino, ela havia tentado comprar os direitos de Prima Facie mas eles já tinham sido vendidos para mim, ela ficou sem acreditar, foi o casamento perfeito", completa o produtor.

No Brasil, que registrou mais de 83 mil casos de estupro em 2023, sendo a maioria das vítimas mulheres e meninas, e mais de 50% dos agressores conhecidos das vítimas, Prima Facie leva ao palco o que muitos tribunais ainda evitam encarar: a desconfiança sistemática sobre a palavra feminina.

A atuação visceral e solitária da protagonista expõe o colapso emocional e jurídico que mulheres enfrentam ao denunciar seus agressores. "'Prima Facie' foi desafiador desde o início e segue sendo. Digo que tenho vivido uma vida de atleta, ele é fisicamente extenuante, mas ao mesmo tempo muito gratificante", revela Débora. "Tenho uma equipe muito presente, não me sinto sozinha. A conexão com o público é muito grande, então nunca me sinto mesmo sozinha", acrescenta. Com rigor e emoção, o monólogo denuncia a estrutura ainda patriarcal do Judiciário, onde o ônus da prova quase sempre recai sobre quem sobreviveu.

A escolha da direção também foi estratégica. "Na época a Débora, que também se tornou sócia do projeto, imediatamente convidou Yara Novaes, para dirigir, pois elas já eram parceiras de longa data e de fato não tinha uma escolha melhor para abrilhantar ainda mais esse projeto", explica Borges.

Mais do que uma peça, "Prima Facie" tornou-se um instrumento de conscientização coletiva. "É um texto dramaturgicamente muito bem escrito. Você se envolve com a história e fala sobre um assunto espinhoso e muito forte, principalmente para nós mulheres. O impacto desse texto tanto dramaturgicamente, como a função social, foi muito forte", analisa a atriz. "O mais interessante é que ele através da história dessa mulher nos chama para um assunto muito importante", destaca. A obra amplia o debate sobre como o Direito pode — e deve — se reinventar para acolher verdadeiramente as vítimas, valorizando seu testemunho desde o primeiro olhar: prima facie.

Em um país onde ocorre um feminicídio a cada seis horas e 86% das mulheres afirmam já ter sofrido assédio nas ruas, a arte ocupa um papel central. "Prima Facie" é um chamado ético: à escuta, à empatia e à transformação urgente das instituições. E o sucesso não para por aqui: "Após a nova temporada do Rio de Janeiro, iniciaremos uma turnê nacional, iniciando pelo norte e nordeste do país. Não queremos parar tão cedo", adianta Luciano Borges.

SERVIÇO

PRIMA FACIE

Teatro Clara Nunes (Shopping da Gávea - Rua Marquês de São Vicente, 52)

De 27/6 a 20/7, sextas e sábados (20h) e domingos (19h) | Ingressos entre R$ 19,80 (meia) a R$ 150