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O tempo repensado no palco

Velocidade | Foto: Igor Cerqueira/Divulgação

Apergunta que abre o espetáculo "Velocidade" ecoa como um desafio aos tempos atuais: e se fosse possível desacelerar o tempo? A décima criação do grupo mineiro Quatroloscinco - Teatro do Comum, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, surge como uma resposta cênica à hiperconectividade e ao consumismo que caracterizam a vida contemporânea num desafio à lógica da urgência e do imediatismo.

A concepção dramatúrgica de Assis Benevenuto e Marcos Coletta, sob direção do cineasta Ricardo Alves Jr. e Ítalo Laureano, estrutura-se de forma inusitada como um livro teatral. Essa arquitetura narrativa não linear reflete a própria proposta do espetáculo: abandonar a linearidade tradicional em favor de uma construção por imagens, rastros de memória e lapsos entre realidade e imaginação. O elenco formado por Rejane Faria, Michele Bernardino, Ítalo Laureano, Marcos Coletta e Assis Benevenuto conduz o público por essa jornada sensorial que questiona fundamentalmente nossa relação com o tempo.

A experiência teatral inicia-se de forma provocativa, com seis minutos de áudio que o espectador ouve na escuridão completa. "Esse é o nosso convite inicial para desacelerar, baixar a bola, deixar o tempo decantar, desafiar a ansiedade, habitar outro tempo da imagem", explica Coletta sobre essa abertura que já estabelece o tom contemplativo da obra. Essa estratégia cênica funciona como uma espécie de desintoxicação digital, forçando o público a abandonar a velocidade cotidiana e mergulhar em outro ritmo temporal.

O ponto de partida conceitual veio do ensaio "Notas sobre os doentes de velocidade", da escritora mexicana Vivian Abenshushan, mas a dramaturgia expandiu-se através do diálogo com outras referências significativas. O livro "Oráculo da Noite", de Sidarta Ribeiro, textos de Paul Preciado e o filme "Poesia Sem Fim", de Alejandro Jodorowsky, contribuíram para a construção dessa peça-livro-sonho que desafia convenções narrativas. O resultado é uma montagem que opera por associações poéticas, onde cada cena convida o espectador a suspender a lógica do imediato e experimentar outras durações, ruídos e silêncios.

"Não nos prendemos a uma história linear ou à lógica dramática. É uma peça mais onírica, poética, onde brincamos de acelerar e dilatar o tempo", revela um dos atores, sintetizando a abordagem experimental do grupo. Essa liberdade formal permite que o espetáculo explore diferentes temporalidades cênicas, criando momentos de aceleração e desaceleração que espelham as contradições da experiência temporal contemporânea.

O design cênico, assinado por Luiz Dias e Carol Manso, materializa o conceito de livro teatral através de uma mesa central que funciona como página, onde os títulos dos quadros são escritos e apresentados ao público. Essa solução cenográfica reflete a necessidade de transformação constante que o espetáculo demanda. "Essa ideia de uma peça-livro-sonho necessita que o espaço, os figurinos e os objetos de cena possam ser transformados. Não pode ser aquele cenário fixo, pesado, que imprime apenas uma ideia", argumenta Benevenuto sobre a dinâmica visual da montagem.

A direção de movimento de Kenia Dias fortalece a ideia de coralidade e corpo coletivo, característica fundamental do trabalho do Quatroloscinco. A opção por manter cinco intérpretes em cena reafirma o compromisso do grupo com o teatro colaborativo, posicionando-se contra a tendência atual de solos e duplas que dominam os palcos brasileiros. Essa escolha estética também se alinha com a proposta conceitual da obra, que questiona o individualismo contemporâneo em favor de experiências coletivas.

O projeto expande-se além das apresentações teatrais através de atividades formativas que ampliam o diálogo com diferentes públicos. No dia 5 de julho, um bate-papo com os artistas acontecerá logo após a apresentação, oferecendo ao público a oportunidade de aprofundar questões levantadas pelo espetáculo. Nos dias 7 e 8 de julho, o grupo conduzirá a oficina "A palavra em cena: habitar o texto", voltada a artistas profissionais ou em formação, estudantes de teatro e interessados em experimentar a linguagem cênica. Com oito horas de duração e classificação indicativa de 16 anos, a oficina propõe investigações sobre o manejo da palavra falada e suas diferentes camadas de sentido, através de leituras, exercícios e criação de micro cenas.

SERVIÇO

VELOCIDADE

Teatro I do CCBB RJ (Rua Primeiro de Março, 66 - Centro)

Até 13/7, de quarta a sábado (19h) e domingos (18h)

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)