João Bethencourt, o autor, nasceu na Hungria, veio para o Brasil com 10 anos. Formou-se em teatro em Yale junto com Paul Newman, entre outros. João completaria cem anos agora e é o maior comediógrafo brasileiro. "O Dia em que Raptaram o Papa" foi a peça brasileira mais encenada no exterior.
Há momentos em que pensar em rever um texto nos dá aquela sensação: será que vai estragar a impressão positiva que tenho? Rever esse texto é ter certeza de que arte de qualidade é sempre premonitória, pois afinal o artista é um vate, a figura grega que via o futuro. João.
A direção firme de sua filha, Christina Bethencourt, resgata a importância do texto, apresentando os conflitos, pois usou o original sem qualquer alteração. Christina conduz seu trabalho com um elenco equilibrado. Assim, o que poderia ser uma caricatura, libelo, panfleto, é a apresentação de um episódio com os quiproquós que acentuam o humor. Há emoção, torcida pelo final feliz, delineamento dos personagens, vitória dos bons.
Cláudio Mendes, no papel do judeu que sequestra o Papa para pedir justiça social, usa seus melhores talentos para saltar de um libertário meio atrapalhado a herói. Apresenta a dor da perda do filho sem exageros, e assim personifica o homem simples, o tipo comum, familiar, que acha que pode contribuir para o mundo. Sua performance acentua a mensagem do autor. Um acerto.
O cenário possui engenhosidade. O que se vê quando a cortina abre é um menorá — símbolo da fé judaica — que brilha como um farol de cultura e memória. Os objetos montam um ambiente realista para dar veracidade ao tema. A atualidade do texto está em que, de forma leve, carinhosa mesmo, apresenta à plateia um mundo em que humildade, igualdade, afetos são capazes de acabar com o maniqueísmo que tanto nos dificulta.
SERVIÇO
O DIA EM QUE RAPTARAM O PAPA
Teatro Fashion Mall (Estr. da Gávea, 899 - São Conrado) | Até 22/6, sexta e domingo (20h) e sábado (21h)
Ingressos: R$ 120 e R$ 60 (meia)