A comédia escrita por Artur Azevedo em 1904, marcada por seu olhar crítico e afetuoso sobre o fazer teatral, ganha nova versão em "Os Mambembes", em cartaz no Teatro Casa Grande, no Leblon. Dirigido por Emílio de Mello e Gustavo Guenzburger, o espetáculo tem no elenco Claudia Abreu, Camila Boher, Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Leandro Santanna, Orã Figueiredo e Paulo Betti, além do músico Caio Padilha. A montagem já passou por cidades do Maranhão, Pará, Espírito Santo e Minas Gerais, contabilizando mais de 18 mil espectadores.
Com adaptação dramatúrgica de Daniel Belmonte, Guenzburger e Mello, o espetáculo nasceu com a proposta de ser itinerante, encenado em espaços públicos, praças e ruas. A temporada no Rio marca a transição da trupe para o palco convencional, após a peça abrir a 33ª edição do Festival de Curitiba. A encenação celebra o teatro como experiência coletiva, utilizando revezamento de personagens e alternância de linguagens para recriar, com humor e liberdade, os bastidores da arte de representar.
O projeto surgiu do desejo antigo de Claudia Abreu e Emílio de Mello de realizar um trabalho conjunto que dialogasse diretamente com o ofício teatral. Ao lado do produtor Arlindo Bezerra, idealizaram um percurso que levasse o espetáculo para localidades fora do circuito tradicional. Com o texto original de Azevedo como ponto de partida, o trio trabalhou durante oito meses em uma adaptação que condensasse os cerca de 80 personagens em um elenco reduzido, sem perder a complexidade e a leveza do original.
Arthur Azevedo (1855-1908) foi um dos principais nomes do teatro brasileiro no fim do século 19 e início do século seguinte. Jornalista, cronista e dramaturgo, destacou-se pela habilidade em retratar os costumes da sociedade urbana com leveza, humor e crítica social. Irmão do também escritor Aluísio Azevedo, Arthur foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Especialista na chamada comédia de costumes, escreveu dezenas de peças, muitas em parceria com outros autores como em "O Mambembe" (com José Piza), considerada um marco da dramaturgia nacional. Seu estilo alia o refinamento literário ao gosto popular, fazendo do teatro um espaço de entretenimento e reflexão.
A montagem não apenas homenageia a história do teatro brasileiro como também atualiza sua reflexão. "Os Mambembes" dialoga com diferentes estilos e tempos, da farsa à metalinguagem, da commedia dell'arte ao realismo psicológico. A encenação se vale de uma estrutura de jogo em que intérpretes se revezam em papéis diversos ao longo da peça, estabelecendo uma gramática cênica que valoriza o improviso e a criatividade como marcas do teatro de grupo.
Inspirado na trajetória original do texto, que foi ignorado pelo grande público em sua estreia em 1904 mas ganhou reconhecimento histórico décadas depois, o projeto atual propõe um novo olhar sobre o legado de Azevedo. A montagem do Teatro dos Sete em 1959 — que reuniu Fernanda Montenegro, Sergio Britto e Ítalo Rossi sob direção de Gianni Ratto — foi fundamental para a consagração póstuma da peça. Agora, "oS mambembeS" busca reviver esse espírito de reinvenção ao apostar em um formato popular e acessível, sem abrir mão da sofisticação estética.
Além da temporada carioca, o grupo prepara um documentário dirigido por Claudia Abreu, que acompanha os bastidores da turnê nacional. A proposta é registrar não apenas o espetáculo, mas também os encontros que ele promoveu com plateias muitas vezes em contato pela primeira vez com o teatro.
A nova encenação reafirma a vitalidade do texto de Artur Azevedo ao explorar o encantamento e as contradições de uma companhia mambembe enfrentando as condições precárias da arte itinerante. Ao colocar a cena como metáfora da vida (e vice-versa), o espetáculo se torna também uma declaração apaixonada sobre o valor da criação coletiva. Como resume Claudia Abreu, "é uma celebração ao teatro e à alegria de atuar".
SERVIÇO
OS MAMBEMBES
Teatro Casa Grande (Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon)
Até 22/6, de quinta a sábado (20h) e domingos (18h)
Ingressos entre R$ 80 e R$ 200