Por: Affonso Nunes

Duas potências cênicas em ação

Haddad e Borghi vivem seu primeiro trabalho em conjunto | Foto: Divulgação

Um palco pode ser espaço pequeno para tanto talento junto. Mas teatro como o teatro tem sua magia, tudo pode acontecer. Dois monstros sagrados de nossa arte cênica, Amir Haddad e Renato Borghi, se encontram pela primeira vez no palco em "Haddad e Borghi: Cantam o Teatro Livres em Cena", espetáculo que celebra os 70 anos de amizade entre os dois artistas e marca a estreia de uma colaboração inédita. Com direção e idealização de Eduardo Barata, a montagem chega ao Teatro Adolpho Bloch em 2025, ano em que ambos completam 88 anos de vida e quase duas centenas de história somadas nos palcos.

Ícones da cena teatral brasileira, Amir e Borghi revisitam, em uma montagem de espírito tropicalista e pulsante, marcos fundamentais de suas trajetórias — Amir à frente do grupo Tá na Rua, Borghi no lendário Teatro Oficina, sob a batura do genial e saudoso Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023). A encenação começa antes mesmo da abertura das cortinas: o foyer do teatro se transforma em instalação performática com exposição de fotos, números circenses, canto lírico, marchinhas de Carnaval e obras visuais que conectam a plateia ao universo dos homenageados.

O espetáculo propõe uma conversa viva entre os atores e o público, com reflexões sobre o ofício do intérprete, o fazer teatral e os múltiplos "Brasis" que os habitam. A cena é permeada por trechos de grandes autores da língua portuguesa, como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Drummond, e canções históricas que pontuaram suas trajetórias.

Com roteiro assinado por Eduardo Barata e Elaine Moreira, e pesquisa de Claudia Chaves, crítica teatral do Correio da Manhã, o espetáculo presta uma homenagem definitiva (e necessária) ao legado de dois gênios do palco, dois artistas que honram seus ofícios e ajudaram a moldar o teatro e os costumes brasileiros. A trilha sonora, executada ao vivo pelo Trio Júlio, reforça a emoção desta celebração histórica de dois artistas que transformaram gerações e seguem brilhando nos palcos seja aonde for.

 

Eduardo Barata, um homem de teatrodo príncipio ao fim

Eduardo Barata e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, durante a cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural | Foto: Divulgação

Por Cláudia Chaves |Especial para o Correio da Manhã

Falar de Eduardo de Souza Barata é falar de gente que faz, que enfrenta, que realiza, que vence qualquer obstáculo — desde que se trate do bem comum. O bem comum pode ser uma plateia satisfeita, um artista desempregado que precisa de socorro ou uma classe desassistida pelas políticas públicas.

Falar de Eduardo Barata é falar de paixão, entrega e visão no mundo das artes. Poucos nomes no cenário cultural brasileiro inspiram tanta confiança e admiração quanto o seu. Eduardo — ou simplesmente Barata, como o chamam os amigos e até quem não o conhece de perto — é capaz de não desistir e de levantar recursos onde se imagina não haver. Sua dedicação não se limita aos holofotes; ela está presente na luta constante por políticas culturais justas, pela valorização dos profissionais do setor e pela promoção da cultura como um direito fundamental.

O portal da Câmara dos Deputados destaca que, durante a pandemia, como presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR), Barata liderou diversas iniciativas para apoiar os profissionais das artes cênicas e manter a cultura viva em tempos desafiadores. Mobilizou-se rapidamente, reunindo-se com autoridades para pleitear medidas de apoio ao setor. Uma das primeiras conquistas foi o decreto que impediu o corte de serviços essenciais, como água, luz e telefone, nos espaços de arte. Além disso, a APTR lançou um programa de auxílio emergencial que beneficiou cerca de 1.200 trabalhadores com vales-refeição mensais de R$ 500, financiado por doações que ultrapassaram R$ 450 mil.

Por essas e muitas outras ações, Barata, representando a APTR, recebeu a Ordem do Mérito Cultural (OMC), entregue pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e pela ministra da Cultura, Margareth Menezes. Essa é a maior honraria pública do setor cultural brasileiro, concedida a personalidades e instituições que contribuem para o desenvolvimento da cultura e para a valorização da diversidade cultural do país.

Sua carreira começou há tempos, ainda como presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade da Cidade, onde concluiu brilhantemente o curso de Jornalismo, organizando eventos e promovendo seminários. Mais tarde, participou como produtor do sucesso "O Mistério de Irma Vap", tornando-se o "anjo da guarda" de Ney Latorraca e Marco Nanini.

A partir daí, Barata tornou-se assessor de imprensa, divulgando mais de 100 peças com os maiores artistas do teatro brasileiro. Nomeie qualquer um deles, e Barata certamente já trabalhou junto. Atualmente, dedica-se a um dos mais importantes projetos da história do teatro brasileiro: reunir Renato Borghi e Amir Haddad — dois pilares do nosso teatro — no palco pela primeira vez.

Com produção, direção e roteiro de Barata, "Haddad e Borghi: Cantam o Teatro, Livres em Cena" tem como espinha dorsal a liberdade criativa de Amir e Renato, fundadores do Teatro Oficina ao lado de Zé Celso Martinez Corrêa. "Construímos e desconstruímos, desafiando as perspectivas do espaço cênico. Nossa ideia é narrar, cantar e apresentar ao público um panorama com recortes da cena nacional pelos olhos de dois homens de teatro — dois operários, trabalhadores, contemporâneos, pensadores das artes — que não separam vida e teatro, teatro e vida", explica Barata.

O espetáculo, com a qualidade característica das produções de Barata, reúne no palco Haddad, Borghi e um elenco composto por Débora Duboc, Duda Barata, Élcio Nogueira Seixas e Máximo Cutri. Com referências ao universo artístico dos dois homenageados — Hélio Oiticica e Lygia Clark —, os ótimos figurinos de Rute Alves e o belo cenário de Rostand Albuquerque se juntam ao melhor do cancioneiro nacional, executado pelo Trio Júlio.

O teatro é, desde sempre, um espaço de encontro, reflexão e resistência. Mais do que uma forma de arte, é um espelho da sociedade, um palco onde se revelam as emoções humanas, os conflitos sociais e as possibilidades de transformação. Ao unir palavra, corpo e presença, o teatro emociona, provoca e inspira, mantendo-se essencial mesmo em tempos de crise. Como destacou Eduardo Barata: "O teatro é o lugar onde a humanidade se reconhece e se transforma."

SERVIÇO

HADDAD E BORGHI: CANTAM O TEATRO LIVRES EM CENA

Teatro Adolpho Bloch (Rua do Russel, 804, Glória) Até 11/6, de quinta a domingos (19h)

Ingressos entre R$ 40 e R$ 150