Por: Cláudia Chaves  | Especial para o Correio da Manhã

Patrícia Pinho: 'O Bem Amado é uma sátira inacreditavelmente atual'

O Bem Amado | Foto: Divulgação

Patrícia Pinho é uma capricorniana de fé. Com mais de 37 anos de carreira, começou criança, com uma carreira diversificada no teatro, televisão e humor, é atriz, diretora, produtora, escritora, atuando em diversos formatos. Formada em Artes Cênicas pela UNI-RIO e licenciada pela Faculdade Bennett, iniciou seus estudos teatrais aos 12 anos. Hoje, é Mestre em Ensino de Teatro pela UniRio. Em 2010, recebeu o Prêmio APTR de Melhor Atriz Coadjuvante pela peça "As Meninas", de Maitê Proença e Luis Carlos Góes, dirigida por Amir Haddad.

Idealizadora do "Buraco da Lacraia Dance Show", um cabaré-show de videokê na Lapa, é é pioneira na pesquisa de improvisação no Brasil, fundando a Cia Teatro do Nada em 2003, grupo filiado ao International Theatresports Institute. Patrícia é talento em todas as artes, inclusive em astrologia, cartomancia e, durante a pandemia, utilizou suas habilidades em tarô para auxiliar amigos desempregados com atendimentos. É a diretora do musical "Do Outro Lado", primeiro texto da atriz Vanesa Gerbelli com direção de arte de Gringo Cardia que estreia em Setembro no Teatro Porto Seguro/SP.

Patrícia não para. Atualmente está em cartaz com "O Bem-Amado", juntamente com Diogo Vilela. E desse trabalho e de muitos outros que Patricia falou com exclusividade ao Correio.

Você é pioneira e experiente em grupos coletivos? Como é sua experiencia atual?

Patrícia Pinho - Eu não acredito em salvação individual para o teatro. A Era dos Monólogos deixou o palco solitário. A coragem de Diogo Vilela e de Marilia Milanez em produzir uma Cia de Teatro desse porte é ousada, inteligente e agregadora. Diogo, que lidera esse grupo do qual faço parte, poderia estar em cena sozinho buscando lucro com a venda de seus ingressos - lota todas as sessões, resultado do seu compromisso com a qualidade, integridade e dedicação ao teatro. Eu sou apaixonada pelo Diogo. Ele joga em cena, brinca, se dá completamente. Grande ator com uma técnica fascinante, total domínio do palco, da cena, da plateia. E estar ao seu lado é um barato.. Marcus Alvisi é um diretor que incentiva a liberdade e a busca de uma interpretação com linguagem brasileira. Fazer parte desde a montagem de O Pagador de Promessa é uma sorte! Que os Deuses do Teatro estão abençoando.

Como você exercita seu lado místico com a sua carreira

Aprendi com Amir Haddad que a função do teatro é organizar o mundo. E que atuar é manifestar personagens, assim como nos rituais Deuses se manifestam através das músicas. Que o Circo Etéreo é o lugar intermediário entre os céus e a terra. Assim foi definido pela vidente Tia Neiva do Vale do Amanhecer.

Qual a importancia de interpretar um autor como Dias Gomes?

É minha terceira experiencia com esse autor, que tem a capacidade de retratar a alma brasileira com uma trama complexa, com excelentes piadas e reviravoltas. O público se delicia. Dias Gomes é um desafio porque o texto precisa ser bem dito, usa expressões não usuais. Seu texto é primoroso e talvez por isso seja difícil de decorar… é como poesia. A primeira foi com "Roque Santeiro - O Musical", dirigido por Bibi Ferreira em 1996, neste mesmo Teatro João Caetano. Foi um momento mágico de minha vida. Contracenava com grandes nomes: Dona Nicete Bruno, Agildo Ribeiro, Milton Gonçalves, Rogéria, Benvindo Siqueira… Sou uma atriz muito antiga - imagine que eu tenho carteira assinada por essa produção. (Nos tempos atuais, somos obrigados a ser empresários) Roque Santeiro é o sacrifício cristão a serviço da ganância e da política. "O Pagador de Promessas", em 2024 , com Diogo Vilela como Zé do Burro - que lindo trabalho! O Pagador retrata uma personagem de uma pureza e ingenuidade que já quase não existe mais. O amor, a fé e a perseverança rivalizavam com o olhar de Rosa, a companheira que vê a maldade dos homens, do jornal, da igreja e de uma realidade de uma cidade que cresce enquanto perde seu poder de empatia. Uma tragédia brasileira. Nada justifica matar aquele homem. "O Bem Amado", por sua vez, é uma sátira inacreditavelmente atual! Odorico Paraguaçu é o pior do Brasil. Sem escrúpulo nenhum. As irmãs Cajazeiras, falsas moralistas que rodeiam o Poder. Sucupira é a cara do Brasil e sua capacidade de fazer piadas e memes com os absurdos da realidade. Uma proposta bem dirigida pelo Marcus Alvisi.

E como tem sido a reação do publico?

É um acontecimento. Amir Haddad foi na estreia e sentenciou que há anos ele não via uma estreia como essa. Casa lotada, 14 atores em cena (além da equipe de produção e do teatro) com um texto clássico brasileiro. Encerramos todas as sessões como uma celebração. Enterramos o Odorico ao som de Carcará! Ao final, a plateia dança e aplaude conosco. Na esquina do Teatro, fomos abordados por um vendedor de frutas que falou: "Sou de Manaus e nunca entrei no Teatro Amazonas. Vim conhecer o Teatro aqui, com a peça de vocês. Paguei 5 reais pelo ingresso, mas vendo a peça vi que vale 200." Essa história para mim, é a síntese do público que tem vindo nos assistir. A democratização do Teatro João Caetano é um bem para a cidade Quando cheguei para os ensaios temi pela Praça Tiradentes tão linda e abandonada. Com o sucesso da peça, os taxistas fazem fila. O pipoqueiro está na porta. Ao lado dele o vendedor de cerveja. Todos se sentem confortáveis em um espaço público, celebrando coletivamente. Como é importante ser feliz! A cidade é contemplada, abraçada. A praça Tiradentes é nossa!