Chegamos em dezembro e seguimos falando sobre violência baseada em gênero e sobre feminicídio, pauta recorrente neste ano. Os números de mulheres ameaçadas e mortas todos os dias no Brasil se multiplicam e viram estatística, facilmente nos fazendo esquecer que cada uma delas é uma vida com história, sonhos e ilusões. Se as formas de enfrentamento dessa persistente crise social não mudarem, é difícil imaginar que o cenário melhore.
Em termos de punição, nossa legislação vem avançando consideravelmente. Temos duas décadas de Lei Maria da Penha e uma da Lei do Feminicídio. O assassinato de uma mulher por razões da sua condição de sexo feminino, em contexto de violência doméstica ou de gênero, é hoje tipificado como crime hediondo, com pena de até 40 anos, podendo chegar a 60 anos quando há agravantes.
O fato de feminicídio ser atualmente o crime com a maior punição prevista no país não parece inibir os homens, que continuam ameaçando e sendo criativamente cruéis com companheiras e ex-companheiras.
Os dados confirmam que a chave para transformar essa situação nunca estará exclusivamente no endurecimento da punição judicial, apesar de ser moralmente necessário. Sem prevenção não haverá mudança sustentável, e isso inclui preparar as gerações futuras para construírem uma sociedade com equidade de gênero.
As evidências demonstram que a educação para as relações de gênero pode prevenir esse tipo violência, por meio da transformação de normas sociais que sustentam comportamentos violentos.
Há quase 30 anos, por exemplo, avaliação de um programa nos Estados Unidos já demonstrava que mudanças em estereótipos levam à redução da violência: jovens que participaram de dez sessões curriculares sobre relações de gênero apresentaram menos atitudes de abuso psicológico, violência sexual e física contra parceiros. Mais recentemente, na Índia, foi avaliada intervenção escolar que atuou explicitamente na desconstrução de papéis de gênero rígidos ao longo de dois anos, produzindo melhorias em atitudes equitativas de gênero, mantidas dois anos após o término.
O trabalho com masculinidades saudáveis emerge como componente essencial da prevenção, podendo reduzir comportamentos abusivos e violentos entre meninos que participaram de oficinas, resultando em melhorias nos relacionamentos, maior participação em tarefas domésticas e redução da violência de gênero. A normalização da violência como forma de resolver conflitos está no cerne do que precisa ser enfrentado, inclusive via educação escolar.
Os estudos também revelam que duração, intensidade e sustentabilidade são críticas para eficácia. Programas de curta duração produzem mudanças atitudinais imediatas, que não se sustentam sem reforço contínuo. Isso indica que educação em gênero não pode ser reduzida a palestras pontuais ou campanhas esporádicas: a eficácia depende fundamentalmente de abordagem que integre múltiplos componentes.
Intervenções que combinam trabalho direto com estudantes sobre estereótipos, formação continuada de educadores, integração curricular longitudinal, engajamento familiar e comunitário e apoio de políticas públicas demonstram os melhores resultados.
Afinal, a violência baseada em gênero é moldada por normas que transcendem o ambiente escolar e combatê-las requer mudanças em múltiplos níveis para que haja transformações sustentadas.