Em um anúncio que marca uma virada importante na luta contra a fome, o Brasil foi, após três anos, oficialmente retirado do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU). O relatório foi divulgado nesta segunda-feira (28), durante a segunda Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, em Adis Abeba, Etiópia. A saída do país da lista ocorre após o índice de subnutrição cair abaixo de 2,5% da população, limite usado pela FAO para classificar a insegurança alimentar grave.
O resultado, calculado com base na média trienal dos anos de 2022, 2023 e 2024, mostra que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu tirar o Brasil do rol em apenas dois anos de gestão — após ter sido reinserido em 2021, quando Jair Bolsonaro (PL) estava à frente do Executivo Federal. Em nota, o Palácio do Planalto atribuiu a última reinserção na listagem como um reflexo do agravamento das desigualdades e do desmonte de políticas públicas essenciais entre 2018 e 2020.
“Uma conquista histórica que mostra que com políticas públicas sérias e compromisso com o povo, é possível combater a fome e construir um país mais justo e solidário", publicou Lula na rede social X (antigo Twitter).
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, relembrou que sair do Mapa da Fome era uma das promessas de campanha do presidente, e o objetivo era alcançar o feito até o fim de 2026. Ele atribuiu o resultado às decisões políticas que priorizaram a redução da pobreza, o estímulo à geração de emprego e renda, o apoio à agricultura familiar, o fortalecimento da alimentação escolar e o acesso à alimentação saudável.
“Mostramos que, com o Plano Brasil Sem Fome, muito trabalho duro e políticas públicas robustas, foi possível alcançar esse objetivo em apenas dois anos. Não há soberania sem justiça alimentar. E não há justiça social sem democracia", disse o chefe da pasta.
Levantamentos
Segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até o final de 2023, aproximadamente 24 milhões de pessoas saíram da condição de insegurança alimentar grave. A pobreza extrema caiu para 4,4% da população — o menor índice da série histórica — e quase 10 milhões de brasileiros superaram essa condição desde 2021.
Além dos avanços sociais, os indicadores econômicos também contribuíram para o novo cenário. Em 2024, a taxa de desemprego caiu para 6,6%, menor patamar desde 2012. A renda per capita domiciliar ultrapassou R$ 2 mil, e a desigualdade, medida pelo índice de Gini, atingiu o menor nível da série histórica: 0,506.
Destaque para o crescimento expressivo da renda do trabalho entre os 10% mais pobres, que teve aumento médio de 10,7% em 2024 – crescimento 50% superior ao observado entre os 10% mais ricos. Ainda de acordo com informações do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), cerca de um milhão de famílias deixaram o Bolsa Família em julho de 2025 por melhora de renda, conquistada via emprego ou empreendedorismo.
Elaborado pela FAO, o Mapa da Fome identifica os países onde mais de 2,5% da população vive em situação de subnutrição crônica. Para essa análise, são considerados dados sobre disponibilidade e acesso a alimentos, capacidade de compra da população e ingestão calórica adequada. Os indicadores são compilados em médias trienais para evitar distorções momentâneas causadas por crises econômicas ou desastres naturais.
“Não resolve tudo”
Em entrevista ao Correio da Manhã, Renato Eliseu Costa, professor de Administração Pública e Economia do Setor Público da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do ABC (Ufabc), avaliou que a situação trata-se de um avanço importante e simbólico, mas não significa que o problema esteja resolvido.
“Os próprios dados do relatório mostram que cerca de 13,5% da população — algo em torno de 28,5 milhões de pessoas — ainda enfrentam insegurança alimentar moderada ou grave. Essa realidade está concentrada, principalmente, entre as populações em situação de pobreza, com fortes recortes de desigualdade regional, racial e de gênero. Ou seja, sair do Mapa da Fome é um marco, mas está longe de significar o fim da fome no Brasil”, explicou.
Ele reconheceu ainda que as iniciativas recentes do governo federal foram determinantes nesse processo, mas alertou que o aumento global dos preços dos alimentos pode comprometer esses avanços. “Estamos diante de um cenário influenciado por eventos climáticos extremos, conflitos geopolíticos, inflação internacional e alta nos custos logísticos, além de fragilidades nas cadeias de suprimento. Se não houver continuidade e fortalecimento das políticas públicas, há risco real de retrocesso”, afirmou Eliseu Costa.
O mestre em Direito, doutor em Ciências Sociais e coordenador do núcleo de direitos humanos da Fundação São Paulo, Fábio Mariano da Silva, reforçou o entendimento e explicou que mesmo com um arsenal de políticas de transferência de renda, é necessário levar em consideração o fato de que elas só serão suficientes se forem acompanhadas de outras políticas que permitam maior participação cidadã no orçamento dos governos federal, estaduais e municipais.
“Isso diz respeito à qualificação alimentar nas cidades, ao incentivo a pequenos e médios produtores; à importância do consumo de nutrientes alimentares que melhorem a saúde da população”, disse.
“A geração de emprego também é fator decisivo para que famílias saiam das políticas de transferência e alcancem maior autonomia. No Brasil, os dados melhoraram, é verdade, só que os números devem ser avaliados à medida que 50 milhões de pessoas não têm acesso à alimentação saudável e os casos de obesidade aumentam, sinal de que há uma equação a ser enfrentada seriamente”, concluiu o advogado à reportagem.