Em março, Moreno Moura, com 2 anos e 8 meses, deu entrada na UPA da Cidade de Deus após apresentar febre e ter convulsões. Infelizmente, saiu de lá sem vida após atendimento considerado negligente pela família, que denuncia falta de especialistas e ausência de regulação de transferência para unidade de maior complexidade. Três meses depois foi a vez de Miguel Lucca. Com apenas 1 ano e 8 meses, faleceu no Hospital Albert Schweitzer após ter sido levado à UPA da Rocinha com febre e vômitos no dia anterior. Seu caso envolveria erro de diagnóstico, negativa de vagas e falhas na transferência de paciente com prioridade zero.
Para debater casos como esses, a Comissão dos Direitos das Crianças e Adolescentes da Câmara do Rio, presidida pela vereadora Thais Ferreira (PSOL), realizou uma audiência pública sobre "Negligência Médica na Infância", com a presença do vereador Leniel Borel (PP), vice-presidente da Comissão; da defensora regional dos Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, Taísa Bittencourt Leal Queiroz; da defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Eufrásia Maria Souza das Virgens; da ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Fabiana da Silva; e dos pais do menino Miguel Lucca, Rhayssa Larissa da Silva dos Santos Barcelos e Lindson Baptista Zaqueu.
Para Fabiana da Silva, ouvidora-geral da Defensoria Pública, denúncias trazidas por familiares, profissionais de saúde e movimentos sociais apontam um padrão contínuo de negligência institucional: demora na transferência das UPAs para hospitais com suporte adequado, falta de pediatras e especialistas nas unidades de emergência, diagnósticos errados ou tardios e falta de capacidade para atendimento pediátrico adequado.
"Existe um padrão de negligência médica infantil. A escassez de unidades pediátricas estruturadas revela um modelo de gestão sanitária precarizado, no qual a infância negra, indígena e cigana é a mais impactada pela negligência institucional. Infância tem que ser vista como prioridade. Violações de direitos são violações dos direitos humanos", afirma.
Ao final do encontro, Thais Ferreira criticou a ausência dos representantes da prefeitura que foram convidados e não compareceram. A vereadora destacou que apresentou um projeto de lei que autoriza a prefeitura a construir o Hospital Municipal da Infância Carioca, com atenção integral e humanizada à saúde infantil.
A parlamentar disse ainda que vai propor o Boletim Municipal de Indicadores por área de planejamento, de forma a incluir variáveis de raça, cor e condição das crianças para subsidiar políticas públicas de saúde. Já o vereador Leniel Borel se comprometeu a cobrar da prefeitura, de maneira institucional e em parceria com a Defensoria Pública, apoio para os familiares, como disponibilização de contatos de órgãos que podem ajudá-los em situações de emergência, e disse que vai agendar uma visita às unidades hospitalares nos próximos dias.
Por fim, Eufrásia Maria Souza das Virgens, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sugeriu disponibilizar o telefone da Defensoria Pública dentro dos hospitais para que as famílias possam acionar o serviço de plantão em casos como o de Miguel e Moreno. "O conhecimento sobre o papel da Defensoria Pública em casos de violação de direitos pode salvar vidas", finalizou.