Por: Jorge Vasconcellos

STF condena cinco réus do núcleo 2 da trama golpista e absolve delegado da PF

Primeira Turma do STF durante Julgamento do núcleo 2 da trama golpista | Foto: Rosinei Coutinho/STFF

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, nesta terça-feira (16), condenar cinco integrantes do chamado núcleo 2 da trama golpista. Apenas um dos réus foi absolvido.

O núcleo 2 é apontado como responsável pela coordenação operacional de medidas destinadas a manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após as eleições de 2022. Essas ações incluíram a realização de blitze para dificultar o deslocamento de eleitores e o assassinato de autoridades.

O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, votou para condenar quatro réus por todos os crimes pelos quais eles foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e organização criminosa. São eles:

- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal.

- Marcelo Câmara, coronel da reserva e ex-assessor de Jair Bolsonaro;

- Filipe Martins, ex-assessor especial de Assuntos Internacionais do ex-presidente;

- General Mario Fernandes, general da reserva, ex-secretário-geral da Presidência e aliado próximo de Bolsonaro.

Moraes votou ainda para condenar Marília Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres, por dois dos crimes da denúncia original:

- organização criminosa;

- tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito.

Por outro lado, o magistrado votou pela absolvição de Fernando Oliveira de todos os crimes pelos quais ele foi denunciado pela PGR. Delegado da Polícia Federal, ele era o secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal quando houve o ato golpista de 8 de janeiro de 2023.

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino, presidente da turma.

Monitoramento e neutralização de autoridades

Conforme a PGR, os réus condenados coordenaram ações de monitoramento e neutralização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.

Eles também elaboraram uma minuta de decreto que buscava implementar medidas excepcionais (golpistas) no país. Além disso, no segundo turno das eleições de 2022, realizaram blitze para dificultar o deslocamento de eleitores, especialmente no Nordeste, onde Lula era considerado favorito.

O grupo também manteve interlocução com as lideranças ligadas aos atos de 8 de janeiro de 2023 - quando foram invadidas e depredadas as sedes dos Três Poderes.

Voto de Moraes

Inicialmente, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou questões processuais levantadas pelas defesas, como incompetência do STF para julgar o caso e prejuízos para as defesa diante do grande número de provas e documentos desorganizados.

Na sequência, ele passou a tratar individualmente da conduta atribuída a cada um dos réus. "A organização criminosa planejava, desde meados de 2020, a sua manutenção do poder", afirmou.

"Uma sucessão de atos executórios, todos eles relacionados entre si, demonstra a forte atuação dessa organização criminosa. Tendo esses réus participado de pelo menos seis momentos importantes nessa tentativa de consumação da perpetuação de poder de um grupo político que se tornou uma verdadeira organização criminosa no país”, disse o relator.

Moraes defendeu que o general Mário Fernandes se apresentava como um "salvador da pátria" e propagava ataques contra o sistema eleitoral. Durante o processo, o militar confessou ter elaborado, dentro do Palácio do Planalto, o plano ‘Punhal Verde e Amarelo’, que previa o assassinato de autoridades.

“É impressionante como essa confusão mental, na mente do réu, faz com que se tente justificar uma atitude golpista, um atentado contra o Estado Democrático de Direito”, disse. Segundo Moraes, golpistas tentam se confundir com a sociedade brasileira.

Uso criminoso da PRF

Alexandre de Mores, ao falar sobre as blitze realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições, afirmou que houve utilização da máquina estatal pela organização criminosa.

"Nós sabemos que não é normal, não é legal a utilização da Polícia Federal para produzir boletins de inteligência com base em votação para que a operação seja realizada pela Polícia Rodoviária Federal para obstruir só determinados eleitores tendentes a votar num candidato", ressaltou o magistrado.

Ainda em seu voto, o relator também rejeitou o argumento da defesa de que as operações foram executadas para combater o crime organizado e impedir a compra de votos. "Não é nem função da Polícia Rodoviária Federal", disse.

"Então, claramente houve aqui um desvio de finalidade absolutamente ilícito para auxiliar um determinado grupo político que se transformou em organização criminosa para se manter no poder. Talvez, ministro Zanin, [esse seja] um dos momentos mais vexatórios da história de uma instituição respeitada como a Polícia Rodoviária Federal”, afirmou Moraes.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que os envolvidos no caso desrespeitaram os valores da dignidade profissional: “O golpe é isso, é golpear uma estrutura organizada posta numa Constituição".

"É muito melancólico a gente ver que as pessoas numa convivência social, num convivência política, não respeitam o Estado de Direito, que vem para impedir que a ânsia por cargos, a ânsia por poder", lamentou a magistrada.