A Câmara dos Deputados atravessa, nesta semana, um dos momentos mais delicados do atual mandato legislativo, com o avanço simultâneo de processos que colocam em xeque o futuro político de três parlamentares ligados ao bolsonarismo: Carla Zambelli (PL-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). O cenário ganhou novo contorno após a renúncia de Zambelli, anunciada no domingo (14), às vésperas da análise dos outros dois casos.
Zambelli deixou o mandato após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal, decisão que resultou na suspensão de seus direitos políticos e inelegibilidade. A renúncia ocorreu antes que a Câmara deliberasse formalmente sobre a perda do mandato, encerrando o processo político no Legislativo, mas sem qualquer efeito sobre a condenação judicial. Na prática, Zambelli deixa a Câmara, mas segue impedida de disputar eleições e sujeita às demais consequências legais impostas pelo STF.
O Partido Liberal (PL) afirmou que a decisão foi estratégica. Nos bastidores, parlamentares avaliam que a renúncia antecipou um desfecho desfavorável e buscou reduzir o impacto político de uma cassação formal, além de evitar que uma nova decisão da Câmara fosse anulada pelo Supremo, aprofundando o desgaste institucional.
Segundo o cientista político Jackson De Toni, professor do Ibmec Brasília, a renúncia resulta de uma convergência de fatores pessoais e institucionais. Do ponto de vista individual, a estratégia teria como objetivo fortalecer a defesa de Zambelli no exterior. “A avaliação é que se apresentar à Justiça italiana como uma política que renunciou sob protesto reforça a narrativa de perseguição política, diferenciando-a de uma parlamentar cassada por crimes comuns”, afirma.
Pressa
Embora tenha reduzido a tensão imediata entre Legislativo e Judiciário, a saída de Zambelli inaugurou um ambiente de pragmatismo e pressa dentro da Câmara. Lideranças partidárias avaliam que a manutenção de processos de cassação em aberto amplia o desgaste político e contamina a agenda legislativa, sobretudo às vésperas do ano eleitoral de 2026.
“A ordem agora é resolver rapidamente os casos pendentes”, afirma De Toni. “O objetivo é limpar a pauta das cassações para evitar que o tema domine o debate político e comprometa a articulação do Congresso no próximo período.”
É nesse contexto que avançam os casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem.
Eduardo Bolsonaro
O deputado Eduardo Bolsonaro é alvo de questionamentos relacionados à sua atuação política e a episódios envolvendo ataques a instituições, temas que vêm sendo debatidos desde 2024 e ganharam força após decisões recentes do STF. Seus aliados denunciam perseguição política, enquanto críticos defendem a responsabilização parlamentar.
Além do embate político, pesa contra Eduardo Bolsonaro o elevado número de faltas às sessões da Câmara, quase 80%, segundo cálculos internos. Nesse cenário, o desfecho pode ocorrer sem votação em plenário. A avaliação predominante é de que a Mesa Diretora pode declarar a perda automática do mandato, conforme previsto no regimento, encerrando o caso por via administrativa.
Para De Toni, a situação evidencia uma mudança de estratégia. “O caso de Eduardo tende a ser resolvido sem o confronto direto entre plenário e STF, justamente para evitar o desgaste político que marcou o episódio de Zambelli”, afirma.
Alexandre Ramagem
Já o deputado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), enfrenta um cenário ainda mais sensível. As investigações relacionadas à sua atuação durante o governo Bolsonaro tiveram desdobramentos ao longo de 2023 e 2024 e passaram a impactar diretamente seu mandato em 2025, reacendendo o debate sobre os limites da imunidade parlamentar.
Para o cientista político, a situação de Ramagem se aproxima da de Zambelli. “Mesmo que a Câmara tente uma saída política para preservar o mandato, a tendência é que o STF intervenha para determinar a cassação, como já ocorreu anteriormente”, avalia. Até o momento, Ramagem não sinalizou intenção de renunciar e mantém o discurso de que é vítima de perseguição.
Autonomia do Legislativo
Embora distintos, os três casos se cruzam no tempo e no conteúdo. Todos colocam em discussão, nesta semana, o papel da Câmara diante de decisões judiciais e os limites da cassação como resposta política. Para parte dos deputados, trata-se de preservar a autonomia do Legislativo. Para outros, a Casa não pode funcionar como escudo contra condenações e investigações já consolidadas no Judiciário.
A renúncia de Zambelli, formalizada na segunda-feira (8), não reduziu a pressão sobre a Câmara. Ao contrário, acelerou decisões e redefiniu estratégias. Com Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem ainda sob análise, o Congresso entra nos próximos dias em um ambiente de forte tensão, marcado por pressa, cálculo político e o esforço para evitar novos confrontos diretos com o Supremo Tribunal Federal.