Por: Beatriz Matos

Dosimetria enfrenta resistência no Senado e pode ficar para 2026

Relator do projeto, Amin admite que dosimetria tem brechas para outros criminosos | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Senado Federal leva para a última semana do ano legislativo a análise do chamado PL da Dosimetria, projeto que altera regras de progressão de regime de penas e que se tornou o principal foco de embate político e jurídico no Congresso. A proposta é o único item da pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (17), e pode ser levada diretamente ao plenário no mesmo dia, a depender do desfecho do relatório.

Nos bastidores, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro trabalham para que a matéria seja aprovada antes do recesso parlamentar. Do outro lado, a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressiona o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para adiar a votação para 2026. Apesar das movimentações, cresce dentro do Senado a avaliação de que o texto aprovado pela Câmara não passa sem mudanças profundas.

Relatório 

Relator do projeto no Senado, o senador Esperidião Amin (PP-SC) reconheceu publicamente a existência de riscos no texto aprovado pela Câmara e passou a tratar a proposta como um projeto com “contrabando”. Segundo ele, qualquer dispositivo que beneficie crimes não relacionados exclusivamente aos atos de 8 de janeiro inviabiliza a aprovação.

Amin informou que o relatório ainda não está pronto, que o texto se encontra em fase de recebimento de emendas e que tem se reunido com outros senadores para discutir ajustes na proposta. Entre os parlamentares com quem dialoga estão Alessandro Vieira (MDB-SE), Rogério Marinho (PL-RN) e Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O prazo para apresentação formal das emendas termina nesta terça-feira (16).

Não passa

O ponto central da resistência é o entendimento de que o projeto extrapola o objetivo declarado de revisar penas aplicadas aos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Senadores alertam que o texto abre brechas capazes de beneficiar condenados por outros crimes, inclusive corrupção, crimes sexuais e integrantes de facções criminosas.

O senador Alessandro Vieira afirmou que o texto é inaceitável nos moldes atuais e já informou que apresentará voto em separado caso não haja alterações.

O presidente da CCJ, Otto Alencar, foi enfático ao afirmar que o PL da Dosimetria “não tem condições de passar” da forma como saiu da Câmara. Para ele, a proposta vai além dos réus do 8 de janeiro. Otto classificou o projeto como “pró-facção” e um “absurdo”, afirmando que muitos defensores do texto “não viram, não leram e não estão sabendo do que se trata”. Segundo o senador, sem mudanças, “assim não passa”.

Veto

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), informou que, caso o projeto seja aprovado, o presidente Lula deve vetar os trechos que beneficiem principalmente Jair Bolsonaro. Segundo ele, a bancada governista já trabalha para sustentar o veto em eventual sessão do Congresso Nacional.
Randolfe classifica o projeto como inconveniente e alerta para o precedente que pode ser criado. Para o senador, a flexibilização das regras pode estimular pedidos semelhantes no futuro. “Se virar moda, todo criminoso, após cometer um crime, vai querer uma anistia light”, avalia.

Brechas

Para o advogado e analista político Melillo Dinis, o texto aprovado pela Câmara amplia benefícios penais de forma indevida e extrapola o recorte dos atos de 8 de janeiro. “A proposta que a Câmara enviou para o Senado beneficia criminosos comuns”, afirma.

Segundo ele, ao padronizar a progressão de regime em um sexto da pena, o projeto promove uma flexibilização generalizada. “Ao padronizar o marco básico de progressão em um sexto da pena, reservando percentuais mais altos apenas para crimes violentos e hediondos, o PL adota um ‘libera geral’”, diz.

Melillo classifica o projeto como um típico caso de contrabando legislativo. “É o típico contrabando legislativo, com o objetivo de beneficiar a todos sob a impressão de salvar uns poucos”, afirma. Para ele, a proposta tenta criar distinções que não se sustentam no sistema constitucional. “A Lei de Execução Penal é uma lei geral, que ao disciplinar a forma de cumprimento de penas para todas as pessoas condenadas, não permite a distinção de atender apenas a um grupo específico de condenados.”

Ao analisar os efeitos práticos, o especialista aponta que o texto permite a progressão do regime fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto, após o cumprimento de apenas 16% da pena. “O texto do PL permite que o preso passe do regime fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto, quando cumprir um sexto da pena”, afirma.

Segundo Melillo, o projeto também entra em contradição com legislações recentes. “O PL da Dosimetria contradiz o PL Antifacção, aprovado na Câmara”, diz. Para ele, a proposta fragiliza o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), gera insegurança jurídica e dificulta a formulação de políticas de segurança pública estáveis.

Mesmo com eventuais alterações no Senado, o analista avalia que o embate institucional tende a continuar, especialmente diante da pressa do calendário legislativo.