Por: Beatriz Matos

Cassações entram em choque com STF

Moraes determinou a perda imediata do mandato de Zambelli | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Em mais uma votação definida durante a madrugada, em que a Câmara dos Deputados enfrentou diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF), ao preservar o mandato de Carla Zambelli (PL-SP) e suspender por seis meses o do deputado Glauber Braga, o foco agora se desloca para os dois processos mais sensíveis da lista: Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). Ambos já foram notificados de que respondem a procedimentos que podem resultar na cassação dos mandatos e agora precisam apresentar suas defesas.

A ofensiva ganhou novos contornos após a base governista ingressar com um mandado de segurança no STF, pedindo que a Corte obrigue a Mesa Diretora da Câmara a declarar imediatamente a perda de mandato de Zambelli e Ramagem — sem depender de plenário ou da contagem de faltas. À noite, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que a Câmara encerre imediatamente o mandato de Zambelli.

Ação

O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), acionou nesta quinta-feira (11, o STF para obrigar o presidente da Câmara, Hugo Motta, a cumprir decisões que, segundo o partido, determinam o afastamento imediato de Carla Zambelli e Alexandre Ramagem. O senador Lindbergh Farias afirma que as condenações transitadas em julgado dos dois parlamentares — no caso de Zambelli, duas sentenças — já deveriam ter levado a Mesa Diretora a declarar a perda do mandato, como prevê o artigo 55 da Constituição.

Para o líder do PT, ao levar o caso ao plenário e manter Zambelli no cargo, Motta descumpriu uma ordem expressa do ministro Alexandre de Moraes e criou um impasse institucional. O mandado de segurança pede que o STF determine, em 24 horas, que a Câmara afaste Zambelli e Ramagem. Lindbergh afirma que, se Motta insistir em não cumprir a decisão judicial, pode incorrer em prevaricação e crime de responsabilidade.

Horas depois, Moraes atendeu ao pedido e determinou que a Câmara declare a perda do mandato de Zambelli em até 24 horas, sob pena de responsabilização.

PT acusa Motta

Lindbergh sustenta que já existe decisão expressa do ministro Alexandre de Moraes, em processos com trânsito em julgado, determinando o afastamento de Zambelli e Ramagem, e que cabia à Mesa apenas cumprir a ordem. Ele cita o artigo 55 da Constituição, em especial o parágrafo 3º, que trata de hipóteses em que a perda do mandato não precisa ser submetida ao plenário, e afirma que, no caso da deputada, havia dois fundamentos: a pena superior a quatro anos, que impede o exercício do mandato, e a perda de direitos políticos.

Segundo o governista, “aquela cena lamentável” da manutenção do mandato de Zambelli poderia ter sido evitada se o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tivesse declarado o afastamento assim que recebeu a decisão judicial. Ele afirma que, ao optar por levar o caso ao plenário e, depois, não executar o afastamento, Motta criou um problema para si e para a instituição. Lindbergh argumenta que não cabe à Câmara, nem à CCJ, revisar decisão do Supremo: o controle de constitucionalidade, reforça, é atribuição do STF.

Reação

Eduardo Bolsonaro, que vive nos Estados Unidos desde fevereiro, reagiu com ataques ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), responsável por notificá-lo do processo por faltas. Em vídeo divulgado nas redes sociais, afirmou que o deputado “escolheu a desonra” e acusou o presidente da Casa de ceder a supostas pressões do ministro Alexandre de Moraes.

O parlamentar argumenta que só ultrapassou o limite constitucional porque Motta “não reconheceu” sua alegação de perseguição política. O presidente da Câmara, por sua vez, rebateu: “É impossível o exercício do mandato parlamentar fora do território nacional”.

Ramagem

No caso de Alexandre Ramagem, a situação é ainda mais grave: ele foi condenado pelo STF no âmbito da trama golpista e sua sentença inclui expressamente a perda do mandato. Mesmo assim, o caso não foi executado automaticamente pela Mesa e deve ir diretamente ao plenário na semana que vem. Ramagem também está nos Estados Unidos. A Polícia Federal pediu sua prisão, já determinada por Moraes, após ele deixar o país.

Quem será perdoado

Para o advogado Matheus Martins Pereira, da FGV-Rio, a decisão que preservou Zambelli não fixa um padrão obrigatório, mas muda o clima político na Câmara. “A decisão que salvou o mandato de Zambelli não cria ‘precedente vinculante’ (...). Ainda assim, a Casa não vive numa bolha”, afirma. Para ele, o recado dado pelo plenário é claro: “O plenário sinalizou um padrão de leniência relativa em temas de decoro”, movimento que pressiona a Casa por isonomia. Ele diz que isso deve pesar sobre Eduardo e Ramagem: “Quanto mais parecidos forem os fatos, mais difícil será explicar ao eleitor por que a roleta da cassação valeu para um e não para outro”.

Matheus aponta que Eduardo “já ganhou um ‘selo de proteção’” ao ver uma representação pesada contra ele ser arquivada, enquanto Ramagem enfrenta um quadro mais delicado: “Ramagem entra em outro registro, porque carrega o combo ‘Abin paralela + tentativa de golpe + condenação no STF’”. Segundo ele, a diferença entre os dois casos é nítida: “No caso de Ramagem, a régua sobe: não é só discurso inflamado, é condenação pelo STF, viagem ao exterior, licença médica e discussão pública sobre risco de fuga”.

Falta padrão

A cientista política Letícia Mendes, da BMJ Consultores, diz que as últimas votações da Câmara mostram que a Casa não segue um padrão. “Realmente não têm seguido uma lógica. Os parlamentares têm votado direcionando a personalização de cada um dos parlamentares”, afirma. Para ela, o julgamento de Zambelli e Glauber ilustra bem essa dinâmica: “Colocaram a votação dos dois por motivos completamente diferentes, mas utilizaram os parlamentares como manobra política para conseguir votos dos dois lados”.

Letícia destaca que Eduardo chega ao plenário com uma vantagem evidente: “O impacto do nome de Eduardo Bolsonaro tem uma amplitude maior”. E que isso pesa diretamente no cálculo dos deputados: “O peso simbólico da família Bolsonaro torna essa cassação mais difícil”.

Sobre Ramagem, ela aponta outro componente: “Há uma sinalização em relação ao STF de trazer essa resposta também do Parlamento”. No entanto, reforça que o que definirá o desfecho é o ambiente político — não jurídico. “A leitura política tem prevalecido mais do que a jurídica. Mesmo diante da fuga e das motivações que o STF colocou, o cenário político prevalece”, afirma. Ela lembra ainda que congressistas evitam criar precedentes que possam alcançá-los: “Os deputados não querem criar precedentes para serem utilizados contra si possivelmente num futuro”.