Por: Rudolfo Lago

Em 86% dos casos, Justiça Militar determinou perda de patente

Presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha só votará em caso de empate | Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ao final do julgamento do chamado “núcleo crucial” da trama golpista, o Superior Tribunal Militar (STM) prepara-se para deparar com uma situação inédita. Mais antiga do país, a Justiça Militar foi criada em 1808, logo depois que aportou em terras brasileiras Dom João, ainda príncipe regente, com a família real que fugia de Portugal com receio das tropas de Napoleão Bonaparte. Passados 217 anos, será a primeira vez, porém, que poderão se sentar no banco dos réus oficiais das mais altas patentes e ex-comandantes das Forças Armadas.

De acordo com nota, o STM recebeu nesta quarta-feira (26) a notificação do Supremo Tribunal Federal (STF) informando o trânsito em julgado dos condenados do “núcleo crucial” que são militares, da ativa ou da reserva. São eles o capitão da reserva e ex-presidente Jair Bolsonaro; os generais Augusto Heleno, Paulo Sergio Nogueira e Walter Braga Netto, e o almirante Almir Garnier. Já havia transitado em julgado a condenação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro. Mas Mauro Cid, por ter feito acordo de colaboração premiada, foi condenado a somente dois anos, em regime aberto.

Agora, poderá o STM vir a julgar se os militares condenados merecem ou não continuar com suas patentes e postos. Trata-se de um julgamento de caráter mais moral, “por indignidade”. Como explicou o Correio Político na edição de quarta-feira, esse julgamento, porém, não é automático. Depende de provocação do tribunal. No caso, de uma representação do Ministério Público Militar. O procurador-geral militar, Cláudio Roberto de Bortolli, porém, sinalizou que deverá fazer a representação. Ele, porém, não tem data para isso.

Como a Justiça entra em recesso ao final de dezembro, a expectativa é de que isso só aconteça após o retorno em fevereiro do ano que vem. “De autoria do Ministério Público Militar (MPM), as citadas representações são passíveis contra oficiais das Forças Armadas condenados, em sentença transitada em julgado, à pena privativa de liberdade superior a dois anos — por crime militar ou comum”, explica a nota do STM.

Dividido

O Correio da Manhã apurou que o tribunal está dividido quanto ao que fará com os militares quando e se houver a representação do Ministério Público. O tribunal possui 15 integrantes, sendo dez militares e cinco civis.

Segundo a apuração, parte inclina-se a manter a tradição da perda da patente por conta das condenações. Mas parte sensibiliza-se com o discurso feito pelos grupos bolsonaristas de que o julgamento foi político e injusto. E pesa também o histórico dos militares.

Neto e Heleno

Dois nomes se colocariam, no caso, em sentimentos díspares. Walter Braga Neto, que foi o candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, estaria na posição mais delicada para ser punido por ter xingado o então comandante do Exército no governo Bolsonaro, Marco Antônio Freire Gomes, por ele ter se recusado a aderir à trama golpista. Avalia-se que tal postura teria sido incompatível com a ética esperada no meio militar.

Por outro lado, pode pesar a favor do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, sua “folha de serviços prestados à Nação”. Heleno foi, por exemplo, o comandante das tropas de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti de 2004 a 2005.

Na quarta, Heleno, porém, apresentou laudos médicos que indicariam que sofre do Mal de Alzheimer desde 2018. Se tais laudos forem confirmados, indicariam que ele foi ministro já diagnosticado com a doença.

Balanço

Apesar da divisão, balanço divulgado pelo STM informa que em 86% dos casos, a Justiça Militar considerou indignos de permanecer com suas patentes e postos os militares condenados a mais de dois anos de prisão em regime fechado.

Nos últimos oito anos, o STM julgou 94 processos de perda de posto e patente de oficiais. A média é de mais de 11 casos por ano. Em mais de 86% dos julgamentos (81 casos), o desfecho foi pela cassação da patente.

Segundo o STM, a maior parte dos casos envolveu oficiais do Exército (62 processos), seguidos pela Aeronáutica (16) e pela Marinha (16). Entre as patentes atingidas, destacam-se 14 coronéis e 10 tenentes-coronéis do Exército, além de cinco capitães da Aeronáutica e cinco capitães-tenentes da Marinha, que perderam posto e patente após decisão da Corte, além de outros postos, como tenentes e majores.

Empate

Presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha tem um perfil progressista. E poderia vir a votar pela perda das patentes. Mas, conforme o regimento do tribunal, ela só volta em caso de empate nas posições dos demais ministros.

E, nessa situação, ainda de acordo com o regimento, ela só pode votar pela absolvição dos militares e pela manutenção dos seus postos e patentes.