Por: Rudolfo Lago

Bolsonaro e demais condenados começam a cumprir pena

Manifestantes em frente à sede da Polícia Federal, onde está preso Bolsonaro | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Um ex-presidente da República. Um ex-comandante da Marinha. Três generais. Dois agentes da Polícia Federal. Um deles, deputado federal. Ex-ministros. Todos altas autoridades do governo brasileiro. Nesta terça-feira (25), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou o trânsito em julgado da ação contra os integrantes do chamado “núcleo crucial” da trama golpista. A partir dessa decisão, Moraes entende que não cabe mais recurso que impeça o início do cumprimento da pena.

Assim, efetivamente, as penas determinadas para o ex-presidente Jair Bolsonaro, para os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Neto, para o Almirante Almir Garnier e para o ex-ministro da Justiça Anderson Torres começaram a ser cumpridas. No caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ele fugiu do país na semana passada. Mas Moraes determinou à Câmara que estabeleça contra ele um processo por perda de mandato.

Bolsonaro

Assim, Bolsonaro não está mais em prisão preventiva na sede da Polícia Federal, em Brasília. Ele passa efetivamente a cumprir a pena estabelecida pela Primeira Turma do STF, de 27 anos e três meses de prisão. Como juiz de execução, Moraes determinou que Bolsonaro cumpra a pena – pelo menos por enquanto – na mesma sala da sede da PF onde estava preso preventivamente desde sábado (22). No caso, Bolsonaro antes estava preso por descumprir medidas cautelares da prisão domiciliar que cumpria em outro processo – contra ele e Eduardo Bolsonaro por tentarem coagir a Justiça no processo de tentativa de golpe.

Ao manter Bolsonaro preso na sede da PF, Moraes estabeleceu uma situação equivalente à do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ficou preso por um ano e sete na sede da Polícia Federal em Curitiba (PR). A sala destinada a Bolsonaro – com cama de solteiro, armários, banheiro privativo, televisão e ar-condicionado – é semelhante àquela em que Lula ficou preso.

Moraes chegou a citar a similitude da situação de Lula na sua decisão. Ele cita um processo no Supremo de 2019, relatado pelo ministro Edson Fachin, que confirmou a permanência de Lula preso numa sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Moraes, porém, errou o número da ação, referindo-se à petição 8.213/PR, quando na verdade o caso de Lula estava na petição 8.312/PR.

Ou seja, no caso, Fachin dizia que o espaço destinado a um ex-chefe de Estado deveria ser a sala de Estado-Maior da Polícia Federal.

Quanto tempo?

Não é possível saber, porém, quanto tempo Bolsonaro ficará preso na sala onde se encontra. O trânsito em julgado foi possível porque a defesa de Bolsonaro não apresentou novos recursos – os chamados embargos declaratórios. Pode – e deverá fazer isso – apresentar agora os embargos infringentes, que não constestam a condenação mas a pena imposta. Ou seja, uma tentativa de obter redução da pena. Mas é improvável o acolhimento desses recursos, porque há um entendimento de que eles só caberiam se houvesse dois votos divergentes da maioria. E só houve um: o ministro Luiz Fux, que votou pela absolvição de todos os condenados.

As defesas dos réus do núcleo crucial da trama golpista, entre elas a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), disseram-se indignadas com a condenação definitiva no caso, apontaram cerceamento de direito de defesa e prometeram novos recursos mesmo com a conclusão da ação.

O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro no processo da trama golpista, afirmou à colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo, que apresentará embargos infringentes ao Supremo. Ele disse considerar que o processo ainda não transitou em julgado, uma vez que o prazo para que a defesa apresentasse esse tipo de embargo ainda não havia se esgotado.

Em nota, Vilardi e outros dois advogados de Bolsonaro, Paulo Bueno e Daniel Tesser, disseram que "cabe lembrar que por, ocasião do julgamento do ex-presidente Fernando Collor e também do caso Debora Rodrigues dos Santos, só se certificou o trânsito em julgado após o ajuizamento dos embargos infringentes, sendo surpreendente para a defesa a certidão de trânsito em julgado, com a inadmissibilidade de um recurso ainda não proposto".

Em tese, haveria prazo até a semana que vem para a apresentação dos embargos infringentes, mas há jurisprudência consolidada na Corte para não permitir que isso ocorra quando há menos de dois votos pela absolvição do réu na turma – e no caso de Bolsonaro houve apenas um, de Luiz Fux.

A defesa do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro, afirmou ter recebido a notícia da condenação definitiva com indignação. O advogado José Luis Oliveira Lima diz que seguirá tentando reverter a condenação, com recurso inclusive às cortes internacionais. "Infelizmente, vemos que o processo está terminando como começou: com a violação sistemática ao direito de defesa", disse.

A defesa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, pediu apenas para ele ficar preso na Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, onde Bolsonaro também está detido, ou no Batalhão de Aviação Operacional. Moraes determinou que ele cumpra pena na chamada Papudinha.

A defesa do general Augusto Heleno, feita por Matheus Milanez, também se disse indignada com a conclusão do processo e fez críticas ao andamento do caso. "A legitimidade de um sistema de Justiça é inseparável da confiança pública em sua imparcialidade. É com profunda indignação que assistimos a um processo que se desvia de sua finalidade, transformando-se em um julgamento de exceção", disse.

Ele afirmou ainda que a influência política se sobrepor à análise técnica das provas leva à violação do Estado de Direito. "A defesa da democracia exige que as instituições sejam e pareçam justas."
O advogado também voltou a defender a inocência de Heleno.

Já o advogado do ex-ministro Anderson Torres disse que recebeu a comunicação de Moraes com serenidade. "O ex-ministro da justiça discutia com seus advogados a apresentação de recurso, cujo prazo final é o dia 3 de dezembro, quando recebeu a notícia da antecipação do trânsito em julgado e imediatamente, decidiu se apresentar no local designado para o cumprimento da pena", disse o advogado Eumar Novacki, em nota. "[Anderson] Lamenta que as inúmeras provas que demonstram não estar envolvido, direta ou indiretamente, com qualquer tentativa de golpe de estado, tenham sequer sido consideradas na decisão que o condenou a uma pena duríssima de 24 anos de prisão".

Revisão

Com o processo principal da trama golpista encerrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, auxiliares jurídicos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) avaliam que a defesa pode entrar com uma ação de revisão criminal no STF (Supremo Tribunal Federal).

Embora as chances de que essa ação vingue sejam mínimas, ela deve ser distribuída para a relatoria de um dos ministros da Segunda Turma do tribunal, colegiado que tem ministros simpáticos a Bolsonaro entre seus integrantes.

Dois deles, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, foram indicados pelo ex-presidente ao Supremo. Já Luiz Fux era, anteriormente, integrante da Primeira Turma e votou pela absolvição de Bolsonaro. Além deles, compõem a Segunda Turma os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A revisão criminal só pode ser apresentada pelas defesas após condenações definitivas de réus. A ação, que é autônoma, tem o objetivo de invalidar a decisão condenatória.

O regimento do Supremo prevê que essas ações de revisão sejam distribuídas a ministros da turma que não julgou o condenado -- ou seja, no caso de Bolsonaro iria para a Segunda Turma – e, em caso de recurso, seja julgada no plenário da Corte.

Uma boa quantidade de ações desse tipo que entra no Supremo é rejeitada automaticamente, sem análise de mérito. Muitas vezes são ações assinadas pelos próprios condenados, apresentadas por meio de manuscritos escritos de próprio punho.

Com informações de José Marques, Marianna Holanda e Ana Pompeu (Folhapress)