O governo ainda fez uma tentativa de adiar a votação. Mas na noite de terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, por 370 votos, 110 contrários e três abstenções, o PL Antifacção, que endurece o combate ao crime organizado, ampliando as penas nos casos em que tal situação é percebido. Nesse sentido, o projeto propõe penas de 20 a 40 anos de prisão quando se perceber a existência do que se classificou “domínio social estruturado”.
No caso, a ideia em torno da nova classificação é estabelecer os casos nos quais o crime domina completamente uma região controlando-a territorialmente. O que aconteceria em lugares, como, por exemplo o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
A tentativa de adiamento da votação foi rejeitada pelo plenário. Um requerimento de retirada de pauta foi rejeitado por 316 votos contra 110. Antes, um pedido de adiamento tinha sido também rejeitado por 355 votos contra 114.
“Hoje, não temos aqui no plenário heróis ou vilões”, disse Hugo Motta, ao final da votação. “O único vilão é o crime organizado. Hoje, vivemos aqui um dia histórico”, comemorou. “Esse projeto é fruto de uma construção coletiva. Quando o bandido vai cometer um crime, ele não pergunta se a vítima é de direita ou de esquerda. O problema da polarização é que transforma adversários em inimigos”, disse o presidente da Câmara.
“Avançamos ampliando as penas, que podem chegar a 66 anos”, disse ainda Motta. “A nossa legislação não pode ter viés ideológico”, continuou. “Esse projeto será a maior resposta ao combate ao crime organizado. Parabenizo o deputado Guilherme Derrite e também o governo por ter enviado o projeto”.
Quinta versão
O relatório votado foi o quinto apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PL-SP), relator indicado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Nos bastidores, o governo já sabia desde o início da tarde que não conseguiria adiar a discussão.
E já trabalhava numa segunda estratégia: articular já modificações no Senado, especialmente nos pontos em que sugere eventual enfraquecimento do financiamento da Polícia Federal (PF). No início da tarde, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), já resolveu indicar como relator na Casa Alta o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que já adiantara ao Correio Político que não permitiria qualquer hipótese de “descapitalização” da PF.
A quinta versão apresentada por Derrite matinha uma divisão de recursos dos bens apreendidos em operações entre o Fundo de Segurança Nacional, que financiaria a PF e fundos estaduais. Em casos dos bens apreendidos pelas policiais estaduais, os recursos iriam para esses fundos regionais de Segurança Pública.
Nos casos de operações conjuntas, o relatório prevê uma divisão igualitária: metade para o Fundo Nacional de Segurança Pública, e a outra metade para o fundo do estado ou do Distrito Federal envolvido na investigação.
Na versão anterior, o texto previa direcionamento da fatia referente à PF ao Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal), mas o relator recuou e disse que enviaria ao Fundo Nacional da Segurança Pública.
Reunião
À tarde, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ainda tentou uma reunião com Derrite. Mas ela acabou não acontecendo.
O governo, então, destacou a votação para que se votasse o texto original enviado pelo governo e o relatório de Derrite. O projeto de Derrite foi aprovado e o projeto original derrotado.
Em entrevista à GloboNews, Hugo Motta defendeu o projeto de Derrite. "Não temos interesse em tirar dinheiro da Polícia Federal”, disse Motta. Segundo ele, a intenção era estimular as políciais estaduais. “Estamos reconhecendo e estimulando que as polícias estaduais possam cumprir seu papel no enfrentamento ao crime organizado".
Derrite, porém, atendeu a um pedido do governo para não dificultar o confisco de bens de organizações criminosas. Em versões anteriores, ele estabelecia que a transferência desses bens para o Estado só acontecesse após o trânsito em julgado, ou seja, somente no final do julgamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alertou Motta que a mudança poderia fazer com que a organização criminosa dilapidasse seu patrimônio.
Acerto
A escolha de Derrite para relator o projeto foi criticada na semana passada. A opção foi acertada entre Motta e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que é seu correligionário. Entregava, assim, no colo de Tarcísio o projeto. A primeira versão do projeto foi construída no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo. Em seguida, Tarcísio exonerou Derrite da Secretaria de Segurança Pública para que ele voltasse à Câmara para relatar o projeto.
A solução, porém, acabou gerando críticas tanto pelo lado do governo quanto da oposição. Os demais governadores do campo conservador vieram a Brasília na semana passada e também pediram o adiamento. O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), chegou a pedir adiamento por 30 dias. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), reclamou que, por conta das ações que faz na área de segurança, deveria ter sido consultado.
Os governadores temiam que ficasse somente com Tarcísio o mérito pela proposta. Queriam dividir esse mérito, uma vez que as pesquisas mostram que a questão da criminalidade é hoje a maior preocupação da sociedade. Diante das resistências, Derrite fez mudanças no seu texto, o alterando cinco vezes.