Depois da semana passada que adiaram a votação do PL Antifacção, projeto que governo e oposição disputam a autoria para promover o combate ao crime organizado, as estratégias nos dois campos inverteram-se. Como já adiantara o Correio Político na terça-feira (11), a estratégia inicial do governo na semana passada era adiar a votação, diante do quadro naquele momento que apontava para uma vitória da oposição. Agora, o governo inclina-se por votar o projeto. E é parte da oposição, especialmente os governadores, que ensaiam defender um prazo maior.
A estratégia do governo na semana passada desmontou o acerto que o presidente da Câmara, Hugo Motta (PB), fizera para entregar no colo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a solução para o problema de segurança pública, que as pesquisas apontam como a maior preocupação do brasileiro neste momento. Motta e Tarcísio são do mesmo partido, o Republicanos, e Tarcísio é apontado como a principal opção no campo da oposição para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na corrida presidencial de 2026.
Nesse prisma, Hugo Motta resolveu escolher para relatar o PL Antifacção, um projeto do Executivo, o então secretário de Segurança do governo de São Paulo, Guilherme Derrite. A primeira versão de um relatório que modificava a proposta do governo foi elaborada ainda no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Tarcísio, então, exonerou Derrite, que retornou à Câmara para relatar o projeto. Erros, porém, na condução, atrapalharam a tática de Motta e Tarcísio.
Blindagem
Na versão inicial de seu relatório, Derrite propunha que ações da Polícia Federal (PF) nos estados só poderiam ser feitas com autorização prévia dos governadores. Para o campo da oposição, inicialmente não parecia má ideia. A aposta da oposição era de que o governo não tinha projeto claro para a segurança, e que governadores do campo da oposição vinham fazendo bom trabalho no combate à criminalidade. Reforçar, portanto, o papel dos governadores, especialmente o papel de Tarcísio, no caso, parecia boa estratégia.
A partir de uma iniciativa do líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), porém, a tática falhou. Lindbergh, seguido por outros militantes, foram às redes sociais dizer que isso era uma nova estratégia de “blindagem” dos parlamentares. A maior derrota recente do campo oposicionista foi quando a Câmara aprovou o que ficou conhecido como “PEC da Blindagem”. A PEC estabelecia que operações policiais contra parlamentares só podiam ser feitas com autorização do Congresso. Após a aprovação na Câmara, os partidos governistas mobilizaram as ruas em grandes manifestações. O Senado acabou derrubando a PEC por unanimidade. A estratégia foi dizer que essa mudança tinha o mesmo propósito.
Há no momento dezenas de parlamentares que vêm sendo alvos de investigações a partir das várias fases da Operação Overclean, que apura desvios de recursos de emendas ao Orçamento. A tática governista foi apontar que exigir aval prévio dos governos estaduais para operações da PF seria uma forma de proteger esses parlamentares, muitos deles aliados dos governadores. Hoje, a PF faz suas operações sem aval do Executivo, mas a partir de autorizações judiciais.
Terrorismo
O segundo ponto polêmico na primeira versão do relatório de Guilherme Derrite era a equiparação do tráfico de entorpecentes ao crime de terrorismo. Essa ideia há tempos é defendida pela oposição, que batizou tal equiparação de “narcoterrorismo”.
No caso, a perda do apoio à ideia veio de setores do empresariado. Por conta de uma outra estratégia errada da oposição – quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) viajou aos Estados Unidos para estimular o presidente Donald Trump –, o Brasil já vinha sofrendo pesadas sanções comerciais por conta do tarifaço. A adoção da idaia do “narcoterrorismo” poderia justificar novas sanções comerciais, prejudicando os negócios brasileiros.
Poderia ainda justificar intervenções mais graves. Desde o atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos passaram a adotar uma estratégia que batizaram de “guerra ao terror”. Essa estratégia justifica intervenção em qualquer situação na qual os EUA se sintam internamente ameaçados.
Quarta versão
A reação fez Derrite, então, recuar. Retirou os dois pontos do seu relatório. Desde então, seu texto já passou por quatro diferentes versões. A que se pretende levar à votação na terça-feira (18), no entanto, ainda recebe críticas tanto de setores do governo quanto da oposição. O Ministério da Justiça afirma, por exemplo, que a última versão pode retirar mais de R$ 360 milhões ao ano de fundos federais de combate ao crime e redirecioná-los para governos estaduais.
Governadores
Apesar desse aceno aos governos estaduais, um dos fatores que evitou a votação do projeto na semana passada foi justamente a reação dos governadores de oposição. Na quarta-feira (12), eles vieram a Brasília para uma reunião com Hugo Motta. E, de maneira inusitada, naquele momento uniram-se ao governo para pedir o adiamento.
Governadores como Claudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, consideram ter produzido ações importantes no combate ao crime organizado. E reclamaram na reunião, que Derrite produziu seu relatório sem ouvi-los. Caiado fez explicitamente essa reclamação na reunião. Castro chegou a pedir a Hugo Motta que adiasse a votação do relatório por 30 dias. No caso, pareceu haver uma desconfiança de que a estratégia era fazer somente Tarcísio de Freitas lucrar com a iniciativa.
O problema para Motta é que novo adiamento poderá desgastar a sua imagem. Ao escolher Derrite e colocar o tema em votação, ele pretendia que a Câmara desse uma resposta rápida ao problema da segurança pública depois da operação policial no Rio nos Complexos do Alemão e da Penha. Via-se agora em apuros com uma tática que pareceu não agradar a nenhum dos lados.