Em viagem pela Ásia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender o multilateralismo e o fim do dólar nas transações internacionais. A fala aconteceu em Jacarta, capital da Indonésia, em uma coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (23), ao lado do presidente do país, Prabowo Subianto. “No atual cenário de acirramento do protecionismo, nossos países têm plenas condições de mostrar ao mundo a capacidade de entender interesses econômicos com diálogo e respeito mútuo”, disse Lula.
“A Indonésia e o Brasil não querem uma segunda Guerra Fria. Queremos comércio livre. E mais ainda: tanto Indonésia quanto Brasil têm interesse em discutir a possibilidade de comercialização entre nós dois com as nossas moedas”, ressaltou o presidente brasileiro. A Guerra Fria é o período após a Segunda Guerra Mundial que marcou a disputa política e econômica entre os EUA e a extinta União Soviética.
“Queremos multilateralismo e não unilateralismo. Queremos democracia comercial e não protecionismo. Queremos crescer, gerar empregos de qualidade, porque foi para isso que fomos eleitos para representar o nosso povo”, ele completou.
Negociações
As declarações do brasileiro foram feitas às vésperas do encontro presencial entre Lula e o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, confirmado para ocorrer neste domingo (26). Dentre as negociações, a expectativa é que os presidentes discutam as tarifas de 50% impostas pelo governo americano a produtos brasileiros. Contudo, os temas citados pelo brasileiro entram em conflito com os interesses dos EUA, e podem tornar as transições delicadas.
Ao Correio da Manhã, o professor de Economia e Comércio Exterior do Ibmec Brasília Renan Silva avalia que as declarações de Lula podem prejudicar o diálogo com os Estados Unidos, “uma vez que a guerra tarifária foi motivada em razão das ameaças quanto ao fim da hegemonia do Dólar”.
Por outro lado, a internacionalista e especialista em Comércio Internacional na BMJ Consultores Associados Ana Beatriz Zanuni considera que, apesar do discurso da criação de alternativas ao dólar no comércio internacional já terem sido alvo de críticas do presidente Donald Trump ao Brasil, “na atual conjuntura, não há a expectativa de que a fala de Lula tome grandes proporções na reunião entre os líderes”.
“Há uma série de pautas sensíveis que podem ser abordadas, como a ingerência na Venezuela, as sanções a membros do Poder Judiciário brasileiro, entre outras. Ainda assim, as relações comerciais seguem como prioridade dos diálogos entre os países e devem direcionar o encontro”, disse Zanuni para a reportagem.
A reportagem ainda conversou com coordenador e professor de Relações Internacionais do Ibmec Brasília Frederico Dias, que avaliouo que “a principal consequência imediata é que as falas de Lula podem ser interpretadas por Trump e sua equipe como uma provocação calculada ou uma falta de seriedade em relação à pauta principal da reunião, que é a suspensão das tarifas”.
“Em vez de focar exclusivamente na questão comercial, a delegação brasileira pode ser forçada a gastar tempo defendendo sua posição geopolítica, desviando o foco do objetivo de revogar as tarifas. Por outro lado, a fala também pode ser vista como um posicionamento estratégico de Lula, reforçando sua liderança no Sul Global e no BRICS, e sinalizando que o Brasil não negociará a revés de seus princípios de política externa”, ponderou Dias.
Riscos
Questionado pela reportagem, o professor de Economia e Comércio Exterior citou que as falas de Lula podem colocar em cheque a possível revogação das tarifas de 50% ao Brasil – que, segundo ele, não será uma solução de curto prazo. “O risco é pela manutenção das tarifas de 50% para o Brasil, as quais poderão levar enumeras empresas a falência, principalmente àquelas que não têm mercados alternativos. O Brasil têm uma participação ínfima no comercio exterior em razão do seu protecionismo histórico e, essa situação, pode agravar”, destacou Renan Silva.
Frederico Dias ainda destaca que as falas podem levar a um “endurecimento da posição de Trump”. “O presidente dos EUA tem uma predileção pelo embate público em que ele predomina sobre o adversário, mais no nível pessoal mesmo do que em termos da disputa geopolítica”, disse o professor.
Ana Beatriz Zanuni ainda citou que, para além do tarifaço, “os norte-americanos podem colocar na mesa não apenas o debate em torno do papel do dólar, mas também a regulamentação e tributação de Big Techs e outros temas que ainda não alcançaram consenso entre os países”.