A reunião recente entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, marcou um gesto de aproximação diplomática entre Brasil e Estados Unidos em um momento de evidente desgaste bilateral. Embora descrito oficialmente como um “diálogo produtivo e descontraído”, o encontro revelou muito mais do que cortesia: foi uma tentativa de reposicionar o relacionamento num cenário global. Embora os detalhes da conversa não tenham sido divulgados, há informações de que a reunião girou sobre temas como o tarifaço, a exploração de terras raras, o papel do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, ìndia, China, África do Sul e outros países) e a Venezuela.
Desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, o Itamaraty tem buscado uma política de “equilíbrio”, tentando manter boas relações tanto com os Estados Unidos e demais países, ao mesmo tempo em que fortalece o papel do Brasil no Brics e na América do Sul. Essa postura, no entanto, tem desagradado os Estados Unidos de Donald Trump, que temem um crescimento do hemisfério sul a partir da aproximação com a China, indo contra os seus interesses.
Outro ponto é a percepção de estabilidade democrática. Marco Rubio, figura influente na política americana e crítico da atual política brasileira, afirmou recentemente que a condenação de Jair Bolsonaro (PL) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), levanta preocupações sobre imparcialidade do Judiciário, chamando o processo de um “caça às bruxas”. O ex-presidente Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses por tentativa de golpe de estado.
O presidente Lula se reuniu, na sexta-feira (17), com o ministro Mauro Vieira com o objetivo de debater sobre os próximos passos com o país chefiado por Trump, principalmente após a reunião com o secretário norte-americano. O encontro se deu um dia após a reunião de Vieira com Rubio.
Venezuela
Recentemente, o clima entre a Venezuela e os Estados Unidos ganhou novos capítulos. Isso porque Trump autorizou, na última quarta-feira (15), ações secretas da Agência Central de Inteligência (CIA) no país comandado por Nicolás Maduro. O principal objetivo das ações seria combater carteis de drogas e finalizar o narcotráfico realizado pelo país. De acordo com o jornal norte-americano The New York Times, o governo americano deverá realizar bombardeios e ataques aéreos, entrando, definitivamente, em uma guerra contra a Venezuela.
Em setembro, as Forças Armadas dos Estados Unidos iniciaram ataques aéreos contra supostos barcos que serviam como transporte para o tráfico de drogas no mar do Caribe, matando cerca de 17 pessoas. Trump também assinou tarifas de 15% ao governo da Venezuela.
Já o Brasil adota uma postura de diálogo e reintegração regional, buscando evitar o isolamento do governo Maduro, Washington mantém uma política mais dura, ainda baseada em sanções e contenção política. Embora o Brasil não tenha oficialmente reconhecido a nova vitória de Maduro, exigindo as atas de votação para comprovar o resultado, que é contestado, Lula chegou a defender a Venezuela e Cuba, na quarta-feira (16), em um evento do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O chefe do Executivo brasileiro declarou que “o povo venezuelano é dono do seu destino, e nenhum presidente pode dar palpite de como os países agirão”, sem citar o nome de Trump.
O Correio da Manhã falou com o economista e professor João Gabriel Araújo. Para ele, a fala de Lula não vai causar novas tensões com os EUA, visto que o Brasil sempre teve esse perfil de “país pacificador”.
“A postura dos Estados Unidos com relação à Venezuela não vem só de Trump, mas está inserida em um debate sobre a tentativa de redemocratizar a Venezuela”, avalia Araújo. “Mas, no caso dos Estados Unidos, a ação é muito mais intensa agora com medidas de sanção e também com o envio de navios para a costa venezuelana. O que, com certeza, é um tema bastante delicado”.
Para o cientista político, o Brasil procura, a partir das conversas com os EUA e as declarações de Lula, colocar-se como um mediador do conflito. “O Brasil sempre teve uma postura muito pacifista e essa postura sempre favoreceu o Brasil com relação às medidas de negociação. Então, talvez uma possível intermediação do Brasil com relação a Caracas”, avalia. Algo que, obtido sucesso, poderá mesmo distensionar as relações com os próprios EUA. “Caso seja positiva, pode viir a desenvolver frutos muito bons para as três economias”.
China
A disputa global por terras raras —minerais essenciais para a produção de equipamentos eletrônicos— ganhou novos desdobramentos. Recentemente, a China anunciou novas medidas para o controle desses minerais essenciais, que devem entrar em vigor até dezembro. Já o Brasil começa a dar passos concretos. Em fevereiro de 2025, foi anunciado em Minas Gerais o primeiro projeto nacional de produção de ímãs de terras raras, com investimento de R$ 35 milhões.
Os Estados Unidos têm interesse em participar dessa exploração. E há uma grande expectativa de que algum acordo possa advir desse ponto. Mesmo antes do encontro entre Vieira e Rubio, isso já vinha sendo negociado. Mesmo nas primeiras tratativas feitas sob o comando do vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin.
Outro possível ponto de negociação é a participação dos EUA na exploração das novas fontes de petróleo encontradas na foz do Amazonas. Embora haja ainda controvérsia e resistência de ambientalistas, parte do governo e políticos da região Norte, especialmente do Amapá, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Uniao Brasil) e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT), defendem essa exploração. É em torno dela, especula-se, que Lula disse em recente discurso que entre ele e Trump não “pintou uma química” (Trump usou essa expressão no discurso que fez na Assembleia da Organização das Nações Unidas após se encontrar ali com Lula), mas “uma petroquímica”.