Com mais de 113 casos suspeitos de intoxicação por bebidas adulteradas por metanol e pelo menos 12 óbitos notificados em seis unidades da Federação, a crise já é considerada uma emergência nacional. A gravidade levou o Ministério da Saúde a montar uma sala de situação, além de reforçar os estoques do Sistema Único de Saúde (SUS) com antídotos e intensificar as ações de vigilância sanitária.
Até o momento, 11 casos foram confirmados e 102 seguem em investigação. As ocorrências se concentram em cinco estados: São Paulo, Pernambuco, Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul — além do Distrito Federal. São Paulo lidera com 101 casos (11 confirmados e 90 sob análise), seguido por Pernambuco, com seis em investigação; Bahia e Distrito Federal, com dois casos cada; e Paraná e Mato Grosso do Sul, com um caso em apuração em cada. O número de pessoas falecidas notificadas chega a 12, sendo uma confirmada em São Paulo e outras 11 ainda em análise: oito em São Paulo, uma em Pernambuco, uma na Bahia e uma no Mato Grosso do Sul.
Crime organizado
Enquanto isso, a Polícia Federal investiga a possível conexão do esquema com o crime organizado, levantando indícios de envolvimento de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) — embora o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), negue essa relação. Neste sentido, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, associou, durante o 2º Fórum Futuro da Tributação, realizado em Lisboa na última sexta-feira (3), a crise sanitária ao avanço das facções criminosas e ao mercado de falsificações, que, segundo ele, “tem provocado mortes em vários lugares do Brasil” transformando “a nossa doce e sapeca caipirinha em um instrumento de morte”.
No centro da questão, está a atuação de fábricas clandestinas, cuja produção ignora completamente os princípios básicos da química de bebidas alcoólicas. O Correio da Manhã ouviu dois especialistas da área para entender como o metanol pode acabar em uma garrafa.
Processos
A analista de laboratório e bacharel em Química Tecnológica Juli Lima, explica que a presença de metanol pode ocorrer naturalmente em alguns processos, mas a forma como isso é tratado na destilação é o que define o risco final. Ela explica que o composto pode ser gerado quando há presença de pectina na matéria-prima e que, na destilação, que é o processo que separa líquidos pela fervura, esse metanol é separado dos demais compostos por meio do corte correto dos vapores.
Ela afirma que bebidas feitas com cereais, como vodca e uísque, geralmente têm menos risco de formação natural de metanol, pois não são ricas em pectina. Já as bebidas destiladas produzidas a partir de frutas precisam de atenção redobrada, como é o caso do pisco, feito de uva.
A diferença entre processos legais e clandestinos, segundo ela, é determinante. “Em uma indústria ‘oficial’, a chance é zero, porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem permite o uso de metanol, por ser tóxico. Já em fábricas clandestinas, essa chance pode existir. Não é muito provável, mas pode acontecer se for utilizado algum solvente ou produto inadequado, como um álcool adulterado, para fazer a limpeza”, explicou.
Alertas
O doutor em química e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Jorge Menezes detalha que o metanol é um álcool de cadeia curta altamente tóxico ao ser humano e que sua presença em bebidas pode ter origens diferentes: desde a formação natural durante a fermentação até práticas criminosas na adulteração do produto. Ele aponta que no caso de produções clandestinas, o metanol pode ser usado diretamente como diluente por falsificadores, como forma de aumento de volume e redução de custo de produção.
O químico destacou que o metanol é tóxico mesmo em pequenas doses. “Estima-se que a ingestão de 10 ml já possa causar sintomas como náusea, tontura e visão turva, enquanto 30 ml podem potencialmente ser letais”, explicou. Em bebidas, o limite permitido pela legislação brasileira é de 20 g de metanol por litro de álcool anidro. Acima desses valores, o risco de intoxicação aguda aumenta significativamente”, afirmou. Segundo a legislação brasileira, bebidas como os destilados de cana devem conter no máximo 20 gramas de metanol por litro de álcool anidro — o equivalente a cerca de 0,2% em volume. “Acima desse limite, o risco de intoxicação aguda cresce de forma significativa”, advertiu.
Na avaliação dos especialistas, o combate ao uso de metanol passa por medidas técnicas e regulatórias. Menezes ressalta também que não existem métodos caseiros confiáveis para detectar a presença de metanol. “Ao notar alguma diferença, o consumidor não deve realizar testes caseiros como cheirar, provar ou tentar queimar a bebida. Essas práticas não são seguras nem conclusivas”, alertou.
Mais ações
Diante do cenário, a Anvisa lançou edital internacional para a compra do antídoto fomepizol, enquanto o Ministério da Saúde encomendou 4,3 mil ampolas de etanol farmacêutico, outro possível antídoto, e planeja adquirir mais 150 mil. Mas a eficácia do tratamento depende da rapidez do diagnóstico e da imediata intervenção médica.
O governo orienta que qualquer pessoa que apresente sintomas após consumir bebidas alcoólicas procure imediatamente serviços de emergência e entre em contato com canais especializados, como o Disque-Intoxicação da Anvisa (0800 722 6001) ou o Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo (0800 771 3733).
Com a escalada de casos, a Câmara dos Deputados aprovou, na última quinta-feira (2), em regime de urgência a votação do Projeto de Lei 2307/07, que tipifica como crime hediondo a adulteração de alimentos e bebidas com substâncias tóxicas, como o metanol.