Em meio às expectativas acerca do destino dos presos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, o Congresso Nacional articula para, ao menos, reduzir a dosimetria dos envolvidos. Nos bastidores, o relator do projeto, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), deverá ter encontro com os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), nesta segunda-feira (6) para apresentar o parecer da matéria e, com a aprovação, que ela seja votada no plenário da Câmara já na próxima terça-feira (7). O Correio da Manhã conversou com especialistas e avaliou que a aprovação do projeto é possível, porém, enfrentará resistências.
Entenda
Inicialmente, o projeto (batizado de “PL da Anistia”) visava conceder perdão total aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. A proposta do Partido Liberal e parte da bancada da oposição era conceder uma anistia ampla, geral e irrestrita a todos os envolvidos nos atos contra as sedes dos Três Poderes – não apenas os que depredaram os prédio públicos, como também os que financiaram, organizaram, incentivaram ou tiveram qualquer envolvimento motivado por motivação política. O objetivo era respingar a anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais condenados por integrarem o núcleo principal de um plano de tentativa de golpe de Estado.
O plenário da Câmara aprovou, em 17 de setembro por 311 votos a favor e 163 contra, a urgência do projeto de lei nas condições da anistia, todavia, o texto ainda não estava finalizado. No dia seguinte, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), designou o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para relatar a medida. No entanto, contrariando a vontade de parlamentares bolsonaristas e costurando um acordo semelhante ao projeto de anistia alternativo que estava sendo elaborado no Senado Federal, Paulinho da Força adiantou que conceder uma anistia plena aos envolvidos era “impossível”. O foco agora está em reduzir a dosimetria das penas aplicadas aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Portanto, passou a ser chamado “PL da Anistia”.
Nos bastidores, o relator propõe agrupar os crimes de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e de Golpe de Estado para, consequentemente, reduzir as penas aplicadas pelo STF.
Avaliação
Ao Correio da Manhã, o professor de Direito Penal do Ibmec Brasília Tedney Moreira avaliou que, até "o presente momento, não são muito favoráveis as chances de aprovação da proposta legislativa que visa a redução de pena aos envolvidos pela tentativa de golpe em 8 de janeiro".
Por outro lado, o cientista político Rócio Barreto avalia que a proposta de reduzir a dosimetria das penas "sinaliza uma certa flexibilização que pode ser barganhada como uma justiça equilibrada" e, que, a chance de aprovação variará de acordo com o relatório que for apresentado.
"A chance de aprovação depende de um desenho colocado na mesa de discussão, quando for colocado para votar. E pode parecer até indulgência, mas o governo tem uma questão que é um tanto quanto pessoal e vai tentar barrar essa anistia do mesmo modo que conseguiu acabar com a PEC da Blindagem. Isso eu acredito que vai acontecer. Agora, a chance de aprovação é muito significativa, especialmente porque o Centrão tem aquele domínio dele, aquela questão de barganhar, de negociar", avaliou Rócio.
Porém, ambos avaliam que a mudança de narrativa do projeto é uma resposta do poder Legislativo às pressões populares. " "Na prática, isso pode ser apresentado como uma saída política, que reduz tanto as tensões sem gerar desgaste quanto a rejeição total da anistia geral. Alguns bolsonaristas mais radicais vão resistir. O governo também deve manter uma posição contrária", disse Rócio Barreto.
"[Essa mudança do PL] indica que a Câmara dos Deputados está ciente da animosidade que a medida causa em grande parte da população e, portanto, tem conhecimento das dificuldades que enfrentará para sustentação política desta junto à parcela do eleitorado", completou Tedney Moreira.
Penas
Para o Correio da Manhã, o cientista político e coordenador de Análise Política na BMJ Consultores Associados Lucas Fernandes ainda explicou que, ainda que o projeto tenha sido rebatizado de PL da Dosimetria, "a dosimetria é uma responsabilidade sempre do juiz e nunca do Congresso".
"O que o Congresso pode fazer é aprovar legislações com penas mínimas e máximas para determinados tipos penais. Nisso, quando o juiz está julgando um réu, ele vai observar no julgamento se houve agravantes e, a partir de todo o contexto do julgamento, se for o caso de condenar uma pessoa, o juiz vai estipular uma pena que esteja ali dentre o limite mínimo e máximo estabelecido pela legislação. Então o que a gente já pode dar como certo é o fato de que, no texto, não vai vir nada escrito do tipo: 'As penas serão cortadas pela metade ou haverá uma redução de X % das penas dos condenados', porque isso seria flagrantemente inconstitucional, uma sobreposição entre os poderes", explicou o coordenador de análise política.
O cientista político ainda ponderou que "o caminho mais provável que se poder citar num campo das possibilidades", visto que ainda não há o texto final do relator, "é justamente essa determinação de que a abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado seriam tipos penais que não poderiam se sobrepor".
"Se houver a aprovação desse texto legislativo pelo Congresso e tiver sanção, não terá uma revisão automática. Os advogados das pessoas condenadas vão ter que entrar com recursos porque a gente tem estabelecido que uma lei e penal sempre retroage em benefício do réu", alertou Fernandes.