Durante audiência na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, realizada nesta quarta-feira (1º), o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, confirmou que estão em andamento articulações para viabilizar um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o chefe da Casa Branca, Donald Trump (Republicano). Segundo ele, as tratativas estão sendo conduzidas com cautela, e o encontro poderá ocorrer nas próximas semanas, ainda sem data definida, por videoconferência, telefonema ou em algum evento internacional.
Apesar do cenário delicado, o chanceler destacou que o Brasil está “pronto para dialogar” e que há interesse mútuo na retomada de uma agenda construtiva. Ele reforçou ainda que o país busca manter uma separação clara entre política e comércio nas negociações bilaterais, reafirmando que a soberania nacional é um princípio inegociável.
Na ocasião, Vieira também comentou a crise no Oriente Médio e confirmou que o Brasil apoiará o plano de paz anunciado por Trump para a Faixa de Gaza. A proposta, apresentada em conjunto com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu (Likud), prevê um cessar-fogo imediato, libertação de reféns, retirada gradual das tropas israelenses e a formação de um governo transitório em Gaza, supervisionado por Washington. Em etapas posteriores, está prevista a possibilidade de reconhecimento de um Estado Palestino.
O ministro ainda classificou como "graves" as recentes movimentações militares próximas às águas territoriais de países caribenhos, reafirmando o posicionamento brasileiro em defesa da estabilidade na região. Nos últimos meses, os EUA intensificaram ações militares no Caribe, incluindo o abate de embarcações venezuelanas sob suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas. Embora Washington alegue que as operações visam combater o narcotráfico e o terrorismo, autoridades brasileiras têm manifestado preocupação com os possíveis desdobramentos estratégicos e políticos da escalada.
Shutdown
Os avanços para uma conversa entre Lula e Trump, porém, foram prejudicados por uma nova crise interna nos Estados Unidos, com a implementação de um “shutdown” — paralisação de serviços públicos — decretado nesta quarta-feira (1), após o fracasso nas negociações orçamentárias entre Executivo e Legislativo. O impasse desta vez envolveu o governo e a oposição democrata, que barrou a proposta no Senado, exigindo garantias na manutenção de programas de assistência à saúde para famílias de baixa renda. Com isso, cerca de 750 mil servidores públicos considerados não essenciais estão temporariamente sem remuneração. Comentando o caso, Trump afirmou que muitas pessoas seriam demitidas “e eles serão democratas”.
Para o professor de Direito Internacional Manuel Furriela, a crise pode impactar a realização do encontro entre os dois líderes. No entanto, ele pondera que a retomada do diálogo pragmático entre os países parece ser um objetivo relevante que não deve deixar de acontecer.
Tensões
Desde o início de agosto, a Casa Branca impôs uma tarifa de 50% sobre diversos produtos brasileiros. Além disso, aplicou a Lei Magnitsky — mecanismo criado para punir violações graves de direitos humanos e atos de corrupção — contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e sua esposa.
Entre os motivos apontados para a sanção estão o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente em prisão domiciliar enquanto aguarda o período de apelação da condenação a 27 anos e três meses de prisão, e de outros sete membros do chamado “Núcleo Crucial”, acusados de articular uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A justificativa também incluiu as restrições impostas a plataformas de redes sociais sediadas nos EUA que não estariam cumprindo a legislação brasileira.
A sinalização de aproximação entre os governos foi feita por Trump durante discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na última semana em Nova York. De maneira informal, o presidente norte-americano relatou um encontro breve com Lula nos bastidores da reunião. “Houve química. Gosto dele e ele gosta de mim”, disse, indicando interesse em estreitar os laços políticos. A fala foi bem recebida pelo governo brasileiro, que agora avalia qual será a melhor forma de viabilizar o encontro.
Segundo Furriela, manter as sobretaxas pode resultar em prejuízos econômicos significativos para os EUA, “especialmente devido ao aumento do preço de produtos como café, carne e laranja, sem alternativas que substituam a qualidade e, principalmente, a quantidade da produção brasileira”. Diante disso, ele avalia que a postura de reaproximação adotada por Trump parece estar mais relacionada a interesses comerciais do que meramente políticos.
“No caso brasileiro, o retorno ao pragmatismo na política externa deve ser priorizado pelo governo. Críticas constantes e posturas hostis em relação ao governo norte-americano, por quaisquer razões, não contribuem para o restabelecimento das relações bilaterais e não são benéficas nem para o Brasil, nem para os Estados Unidos”, alertou Furriela.