A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmando que "não tem pressa" para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos pode representar uma estratégia diplomática para conter tensões e evitar o agravamento da situação — especialmente diante da proximidade do julgamento da Ação Penal 2668, que apura a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 e tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre os réus. A avaliação é da advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, ouvida pelo Correio da Manhã.
A legislação permite ao Brasil adotar medidas retaliatórias diante de ações econômicas hostis. No caso, o presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano), impôs recentemente uma tarifa adicional de 50% sobre diversos produtos brasileiros. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores acionou a Câmara de Comércio Exterior (Camex), que, com o aval de Lula, iniciou na noite da última semana os trâmites para consultas e investigações preliminares — passo necessário antes de uma eventual notificação formal à Casa Branca.
Retaliação
Para Hanna, o início desse processo indica que, “embora o governo não queira agir de forma precipitada, a intenção de usar a lei é real e sinaliza que o Brasil está disposto a retaliar os EUA caso as tarifas não sejam revistas”.
“A pressão interna por uma resposta ao protecionismo americano é forte, especialmente do setor siderúrgico e agro brasileiro, que foi diretamente afetado. Porém, ao mesmo tempo, o governo federal precisa ser cauteloso para não desencadear uma guerra comercial que possa prejudicar outros setores da economia brasileira”, explicou a advogada.
“Sem pressa”
Na última sexta-feira (29), o chefe do Palácio do Planalto ressaltou que o processo precisa avançar, mesmo sem pressa. “Tomei a medida porque nós temos que fazer andar o processo. Nós temos que dizer aos Estados Unidos que nós também temos coisas para fazer contra os Estados Unidos, mas eu também não tenho pressa porque nós queremos negociar”, disse o petista em entrevista à Rádio Itatiaia.
O descontentamento do Planalto não é apenas com as tarifas de até 50% que passaram a incidir sobre mais de um terço das exportações brasileiras para os Estados Unidos — mas também com a falta de interlocução. Lula disse que ministros como Fernando Haddad (Fazenda), Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) tentaram, sem sucesso, contato com representantes do governo americano. “Até agora nós não conseguimos falar com ninguém. Então eles não estão dispostos a negociar. Se o Trump quiser negociar, o Lulinha paz e amor está de volta”, completou o presidente.
Lula também antecipou temas que pretende abordar em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em setembro. Entre os pontos centrais estarão a defesa da democracia, a importância do multilateralismo e a reforma da governança global.
Expectativas
Segundo a internacionalista, caso a Lei da Reciprocidade seja aplicada, a expectativa é que o Brasil imponha tarifas sobre produtos americanos específicos, visando causar um impacto equivalente ao sofrido pela indústria brasileira. “A escolha dos produtos taxados seria estratégica, procurando itens que causem o menor dano possível à economia brasileira, mas que sejam relevantes para o comércio dos EUA”, afirmou.
“Pelo tempo já transcorrido, o governo Lula parece estar buscando uma solução que proteja os interesses nacionais sem comprometer a boa relação bilateral de longo prazo com os EUA”, completou Gomes à reportagem.