Por: Karoline Cavalcante

Julgamento de Bolsonaro começa na terça; entenda como será

Julgamento de Bolsonaro acontecerá na Primeira Turma | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A partir de terça-feira (2), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dará início a um dos julgamentos mais relevantes da história recente da democracia brasileira. O ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e outros sete ex-integrantes do alto escalão do governo federal serão julgados por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Estão previstas sessões para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro.

A ação penal 2668 mira o que a Procuradoria-Geral da República (PGR) classificou como o "núcleo crucial" da trama golpista: um grupo estratégico de militares, políticos e ex-ministros que, segundo a acusação, atuaram para inviabilizar o resultado das eleições de 2022 e manter Bolsonaro no poder de forma ilegítima. As acusações incluem cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de bens tombados.

Peso político

Além de seu conteúdo jurídico, o julgamento carrega enorme peso político. Como avalia a advogada criminalista Daniela Poli Vlavianos, do escritório Arman Advocacia, uma eventual condenação do ex-presidente pode ter impacto direto sobre o cenário eleitoral de 2026, reconfigurando alianças e expectativas de candidaturas. Segundo ela, a ação penal avança em ritmo incomum para os padrões do Supremo. A denúncia foi aceita em março de 2025, e o julgamento tem início menos de seis meses depois — um contraste com casos emblemáticos como o do Mensalão, que demoraram anos para chegar à fase decisiva.

“Do ponto de vista político, o julgamento tem potencial de alterar o cenário eleitoral de 2026, dado que envolve diretamente um ex-presidente ainda com influência significativa sobre parte da sociedade. O aparato de segurança montado em Brasília, com reforço das forças federais e varreduras nas residências dos ministros, demonstra a tensão em torno do caso”, afirmou a advogada em entrevista ao Correio da Manhã.

Daniela também pondera que, apesar do cronograma definido, a conclusão pode demorar. “A previsão inicial é de conclusão em cerca de duas semanas, ou seja, ainda em setembro. Contudo, caso algum ministro peça vista, o regimento permite prazo de até 90 dias, prorrogáveis por mais 30, o que pode empurrar o desfecho para o próximo ano, mantendo por mais tempo um clima de instabilidade política e institucional”, explicou.

Julgamento

A primeira sessão será aberta pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, e terá início com a leitura do relatório pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, terá até duas horas para apresentar a acusação. As defesas dos réus falarão em seguida, com uma hora cada, iniciando pela defesa do ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid, que firmou acordo de colaboração premiada. Como ele é um denunciante, suas alegações são feitas antes para que haja oportunidade de defesa para os demais com relação a algo que ele acuse.

Ao fim das sustentações orais, Moraes apresentará seu voto, podendo ou não tratar separadamente de questões preliminares — como a validade da delação de Cid — antes do mérito. Depois do relator, votarão os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Zanin. A decisão será por maioria simples entre os cinco ministros.

Caso os réus sejam condenados, o colegiado deliberará sobre a dosimetria das penas. Em caso de absolvição, o processo será arquivado. Eventuais embargos ou recursos podem levar o caso ao plenário do STF.

O STF organizou um esquema especial de segurança para o período do julgamento. Há monitoramento digital de ameaças, varreduras nas residências dos ministros e articulação direta com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. A Polícia Federal também passou a monitorar a residência de Jair Bolsonaro, que cumpre prisão domiciliar.

Réus

Além do ex-presidente Jair Bolsonaro, também respondem à ação penal o deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ); o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional general da reserva Augusto Heleno; o ex-ministro da Defesa general da reserva Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro da Casa Civil general da reserva Walter Braga Netto; além de Mauro Cid.

Ramagem, por estar no exercício do mandato, responde apenas parcialmente às acusações — os crimes relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023 foram suspensos enquanto ele ocupa o cargo. Todos os acusados negam as imputações.

Repercussão

A revista britânica The Economist estampou Bolsonaro na capa de sua edição semanal com o título “O que o Brasil pode ensinar à América”, divulgada nesta quinta-feira (28). A publicação compara o ex-presidente ao "xamã viking" da invasão do Capitólio nos EUA em 6 de janeiro de 2021 e classifica o julgamento como um teste para a democracia. Segundo a reportagem, o Brasil estaria “dando exemplo de maturidade institucional”, ao contrário de democracias ocidentais que enfrentam retrocessos populistas.

"Isso nos remete a uma era sombria e passada, em que os Estados Unidos, habitualmente, desestabilizavam os países latino-americanos. Felizmente, a interferência do Sr. Trump [Donald Trump, presidente dos EUA] provavelmente sairá pela culatra”, diz o trecho, em menção às recentes sanções aplicadas pela Casa Branca contra o Brasil e suas autoridades, como a aplicação da Lei Magnitsky — criada para punir violações graves de direitos humanos e casos relevantes de corrupção — contra Moraes, além do anúncio de tarifas a produtos brasileiros.