O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, determinou nesta segunda-feira (18) que leis, ordens judiciais ou administrativas de outros países só podem produzir efeitos no Brasil se forem homologadas pelo Judiciário nacional ou estiverem previstas em acordos internacionais.
A decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). A entidade contestava ações judiciais movidas por municípios brasileiros em tribunais estrangeiros — especialmente no Reino Unido — relacionadas aos desastres ambientais de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).
Ao tomar essa decisão, Dino, então, estende essa possibilidade para outras situações. Especialmente, no momento atual, para a aplicação pelos Estados Unidos da Lei Magnitsky, para impor sanções econômicas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Além de considerar ilegítima a submissão de entes públicos brasileiros à jurisdição de outros países, Dino também proibiu que estados e municípios proponham novas ações em cortes internacionais. O ministro ordenou ainda que instituições financeiras nacionais, incluindo o Banco Central, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e seguradoras, se abstenham de cumprir determinações estrangeiras que envolvam pessoas, contratos ou ativos localizados no Brasil.
A medida responde também a uma liminar da Justiça britânica que, em março deste ano, determinou que o Ibram retirasse a ação do STF. Dino invalidou essa ordem, classificando-a como uma tentativa indevida de pressionar instituições brasileiras.
Moraes
Embora o ministro não tenha mencionado diretamente o episódio em que o colega Alexandre de Moraes foi sancionado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), sob a Lei Magnitsky — legislação que prevê punições a violações graves de direitos humanos e corrupção —, a tese estabelecida por Dino funciona como um obstáculo jurídico à aplicação de sanções unilaterais em território nacional.
Moraes foi acusado de restringir liberdades e perseguir opositores, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que atualmente é réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A inclusão de um indivíduo na legislação norte-americana implica sanções como revogação de visto, proibição de entrada nos EUA e restrições a transações com pessoas físicas ou jurídicas sediadas no país.
Audiência pública
No voto, Dino criticou o que chamou de “ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras” e alertou para a ausência de diálogo multilateral. “Instituições do multilateralismo são absolutamente ignoradas e tratados internacionais são abertamente desrespeitados. Diferentes tipos de protecionismos e de neocolonialismos são utilizados contra os povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais”, afirmou.
Como desdobramento, o ministro anunciou a realização de uma audiência pública para aprofundar o debate sobre o tema. A data ainda será definida, mas o objetivo, segundo Dino, é reunir especialistas, representantes do governo, do Judiciário e da sociedade civil para discutir os limites e as implicações da aplicação extraterritorial de leis e sanções estrangeiras.
Resolve o dilema?
Em entrevista ao Correio da Manhã, a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes avaliou que a decisão traz um novo nível de complexidade à execução de ordens estrangeiras, ao mesmo tempo em que reforça o princípio da soberania nacional.
“Com isso, fica reforçada a determinação constitucional de que nenhuma empresa ou banco no Brasil é legalmente obrigado a aplicar sanções ou restrições de outros países contra qualquer pessoa ou entidade em território brasileiro, e assim qualquer medida nesse sentido pode ser contestada judicialmente. A decisão do ministro oficializa essa possibilidade de contestação judicial, e cria um instrumento legal de impugnação”, explicou a internacionalista.
Segundo ela, no âmbito privado, empresas e bancos já compreendiam que a Lei Magnitsky não tinha valor legal direto no Brasil, mas se viam diante de um dilema prático: correr o risco de sofrer sanções secundárias ou acatar normas estrangeiras, abrindo mão da soberania nacional. Mas a decisão do ministro resolve a questão legal internamente, mas não elimina o problema externo. “A ausência de uma norma específica sobre o tema deixava área cinzenta para as empresas, gerando insegurança”, iniciou.
“Agora, uma empresa brasileira que se sinta coagida a aplicar uma lei estrangeira pode recorrer ao Judiciário brasileiro para obter uma decisão que a proteja de sanções secundárias, mas não elimina eventuais represálias no território americano”, concluiu Gomes à reportagem.