A recente divulgação de um vídeo do influenciador digital Felipe Bressanim Pereira — conhecido como Felca —, que expôs casos de exposição e sexualização de crianças em plataformas digitais, intensificou o debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil. Com mais de 30 milhões de visualizações em uma semana, o conteúdo provocou reações imediatas dos Três Poderes, mobilizando ações do Legislativo, Judiciário e do Executivo em torno da proteção da infância no ambiente online. Durante um encontro com influenciadores promovido, nesta quinta-feira (14), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes defendeu a responsabilização das plataformas pelos conteúdos vinculados.
Em sua fala, o magistrado foi enfático ao afirmar que é “impossível” esperar que pais e responsáveis consigam, sozinhos, monitorar a atuação de crianças e adolescentes nas redes. Para ele, o papel das famílias deve ser complementar à atuação das empresas e do poder público. “Quando eu era novo, nossos pais nem controlavam o que você fazia na rua. Imagina [quando] entra no quarto, está no celular, no tablet… Então é impossível isso. Óbvio que os pais têm que auxiliar, a educação, a escola tem que auxiliar, mas as redes sociais também têm que ter responsabilidade”, afirmou o ministro, que foi eleito na quarta-feira (13) para assumir a Vice-Presidência do STF.
Conteúdos
Para Moraes, não se deve mais fingir que as plataformas são apenas intermediárias, pois lucram com o engajamento, impulsionam conteúdos e, portanto, devem responder pelos danos causados. Ele relembrou a recente decisão da Suprema Corte que considerou parcialmente inconstitucional a regra do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, exigindo que as plataformas sejam responsabilizadas por conteúdos publicados por seus usuários. Segundo o ministro, a Corte adotou uma postura "minimalista" ao estabelecer essas regras na ausência de uma legislação específica, mas com base em demandas urgentes, mencionando que as empresas reconhecem ser possível adaptar seus sistemas para identificar e retirar conteúdos nocivos de forma automática.
"E o Supremo, na ausência de regulamentação e mediante provocação, estabeleceu alguns limites. Como eu disse, foi bem minimalista", afirmou Moraes. "Eu fiz várias reuniões com as Big Techs no tempo do TSE [à época que o ministro presidia o Tribunal Superior Eleitoral] e todas disseram que é plenamente possível. É só preparar a inteligência artificial com essas características”, explicou Moraes.
Reações
No Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional que visa regulamentar o funcionamento das plataformas digitais no Brasil — a medida tem como foco também a proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais — e será articulada com outras propostas em tramitação, como o PL 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que já estabelece diretrizes para o “dever de cuidado” das plataformas digitais. Na tarde da última quarta-feira (13), foi realizada uma reunião ministerial para discutir o tema. Após sair do encontro, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o governo fechou propostas para ampliar a segurança no ambiente digital e promover concorrência econômica, mas destacou a urgência na proteção de crianças e adolescentes.
“Vamos regulamentar, porque é preciso criar o mínimo de comportamento, o mínimo de procedimento no funcionamento de uma rede digital que fala com crianças e com adultos e que, muitas vezes, ninguém assume a responsabilidade pelo conteúdo”, disse o petista em entrevista à BandNews.
A Câmara dos Deputados também acelerou o ritmo. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou a criação de um grupo de trabalho para elaborar um novo projeto de lei voltado à proteção da infância nas redes sociais. Segundo ele, o texto deverá ser apresentado em até 30 dias. “Que possamos, sem ideologias e sem politizações, fazer o debate da maneira que ele tem que ser feito: com foco na proteção às nossas crianças e adolescentes. Há pautas importantes que exigem debate, negociação e tempo, mas esta pauta não espera. Não pode esperar”, declarou Motta ao anunciar uma comissão geral sobre o tema para o dia 20 de agosto.
Além disso, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aumentando as penas para quem aliciar menores pela internet. A proposta agora será apreciada pelo plenário. No Senado, há articulações para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a exploração de menores por influenciadores digitais. O requerimento já conta com assinaturas suficientes e aguarda deliberação. Paralelamente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve convocar representantes de plataformas como Meta, TikTok e YouTube para prestar esclarecimentos.
Denúncia
O vídeo de Felca — que foi o estopim para as últimas reações políticas sobre o tema — trouxe à tona casos graves de exposição de crianças a conteúdos impróprios. O conteúdo resultou, na última terça-feira (12), na determinação de bloqueio, por parte da Justiça da Paraíba, do acesso do influenciador Hytalo Santos — investigado por exposições de menores — às redes sociais, além da proibição de manter contato com os jovens citados no processo. O caso já estava sendo investigado pelo Ministério Público desde 2024.