A forte repercussão de um vídeo publicado pelo influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca — que expôs casos de sexualização e exposição indevida de crianças e adolescentes em plataformas digitais — levou o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto a intensificar o debate sobre a proteção da infância no ambiente online.
Ao abrir a Ordem do Dia nesta terça-feira (12), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou a criação, ainda nesta semana, de um grupo de trabalho com prazo de até 30 dias, reunindo parlamentares e especialistas. O objetivo, segundo ele, é apresentar “o mais avançado e efetivo projeto de lei para proteger as nossas crianças”.
Além disso, está prevista para a próxima quarta-feira (20) uma comissão geral no plenário da Casa Baixa, com o objetivo de ampliar o debate sobre a adultização infantil nas redes sociais. “Que possamos, sem ideologias e sem politizações, fazer o debate da maneira que ele tem que ser feito: com foco na proteção às nossas crianças e adolescentes. Há pautas importantes que exigem debate, negociação e tempo, mas esta pauta não espera. Não pode esperar”, declarou Motta.
“Ao ver aquelas imagens, a minha primeira reação não foi política; foi humana. Foi a de um pai que se pergunta: que mundo estamos entregando para os nossos filhos?
Existem matérias que são urgentes. E existem matérias que são mais do que urgentes — elas são inadiáveis. Elas não são incontornáveis; elas são obrigações morais de qualquer civilização que se pretenda digna desse nome”, completou o deputado.
O vídeo de Felca, que ultrapassou 25 milhões de visualizações em menos de uma semana, trouxe à tona casos graves de exposição de crianças a conteúdos impróprios. O conteúdo resultou — também nesta terça-feira — na determinação de bloqueio, por parte da Justiça da Paraíba, do acesso do influenciador Hytalo Santos — investigado por exposições de menores — às redes sociais, além da proibição de manter contato com os jovens citados no processo. O caso já estava sendo investigado pelo Ministério Público desde 2024.
Projetos
Entre os projetos que ganharam destaque está o PL 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já aprovado no Senado. A proposta estabelece diretrizes para o “dever de cuidado” das plataformas digitais, obrigando as empresas a adotar medidas proativas contra conteúdos prejudiciais a menores. O texto também prevê relatórios semestrais de transparência, restrições à publicidade voltada ao público infantil e a possibilidade de remoção de conteúdos sensíveis sem necessidade de decisão judicial.
Outro projeto, apresentado recentemente pelo deputado Duarte Jr. (PSB-MA), propõe a criação de uma Política Nacional de Conscientização e Combate à Adultização Infantil, abordando aspectos como pressão estética, comportamental e midiática sofrida por crianças nas redes.
Senado e Planalto
No Senado, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) protocolou um requerimento para a realização de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O objetivo é ouvir representantes de plataformas como Meta, Youtube, Tiktok, Telegram e Kwai, além de representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da Defensoria Pública da União (DPU), sobre a responsabilidade das empresas diante da circulação de conteúdos que expõem crianças a riscos.
Paralelamente, os senadores Damares Alves (Republicanos-DF) e Jaime Bagatolli (PL-RO) formalizaram pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar casos de exploração e abuso de menores por influenciadores digitais. O requerimento já superou o número mínimo de assinaturas e aguarda leitura em plenário.
O governo federal também se mobilizou. Em entrevista à rádio Alvorada FM, da Bahia, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende enviar, nos próximos dias ao Congresso, um PL específico para proteger crianças e adolescentes no ambiente digital. Ele ressaltou a importância da regulamentação e da fiscalização das plataformas, que, segundo ele, “ganham muito dinheiro patrocinando, estimulando e viabilizando crimes”.
Alertas
O advogado Renato Rocha, especialista em direito administrativo e fundador dos projetos Justiça Para Todos, alerta que esse cenário de exposição precoce de crianças e adolescentes ao universo adulto, “desloca a infância de seu lugar de proteção integral e amplia a vulnerabilidade a assédio e exploração, exigindo uma resposta legislativa e social imediata”.
Para ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente oferece um arcabouço robusto, mas nasceu num mundo anterior às plataformas digitais. “No contexto atual, faltam regras claras para monetização envolvendo menores, deveres de transparência algorítmica e protocolos de retirada ágil de conteúdo. É preciso atualizar a proteção integral com normas específicas para o ambiente online, mantendo o ECA como base”, afirma o especialista em direito administrativo.
O advogado explica ainda que o fenômeno da adultização — caracterizada pela imposição de comportamentos, estéticas e papéis sociais adultos a crianças — também expõe desigualdades. “Meninas, sobretudo negras, sofrem com a hipersexualização precoce em um contexto marcado pelo racismo estrutural”, declarou. “É fundamental que a legislação reconheça essa interseccionalidade, estabeleça agravantes específicos para casos de exploração e promova políticas de comunicação que rompam estereótipos”, prosseguiu Rocha.