Em meio ao aumento das tensões comerciais com os Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conversou por telefone, nesta quinta-feira (7), com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. A ligação, que durou cerca de uma hora, teve como foco principal as recentes medidas protecionistas adotadas por Washington, além da discussão sobre formas de aprofundar a cooperação bilateral. O contato entre os líderes ocorreu um dia após os EUA elevarem oficialmente para 50% as tarifas sobre produtos brasileiros — movimento similar ao aplicado à Índia, penalizada com a mesma alíquota por manter a importação de petróleo russo.
Durante a conversa, Lula e Modi destacaram a importância do multilateralismo frente às ações unilaterais de países desenvolvidos. “Discutiram o cenário econômico internacional e a imposição de tarifas unilaterais. Brasil e Índia são, até o momento, os dois países mais afetados. Ambos reafirmaram a importância em defender o multilateralismo e a necessidade de fazer frente aos desafios da conjuntura, além de explorar possibilidades de maior integração entre os dois países”, disse o Palácio do Planalto, em nota.
Além de alinharem posições, os dois chefes de Estado confirmaram que o presidente brasileiro fará uma visita oficial à Índia no início de 2026. Antes disso, em outubro deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) — que também chefia o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços —, liderará uma missão oficial a Nova Délhi, acompanhado de empresários e ministros. A comitiva tratará de temas estratégicos como energia, defesa, saúde, inclusão digital, minerais críticos e comércio.
Parceria comercial
Outro ponto central da conversa foi o objetivo de ampliar o intercâmbio comercial entre os dois países. Atualmente, a Índia é o décimo principal parceiro comercial do Brasil, com uma corrente de comércio que somou US$ 12 bilhões em 2024. A meta conjunta é elevar esse número para US$ 20 bilhões até 2030, o que dependerá do avanço nas negociações para ampliar o acordo de livre comércio entre o Mercosul — bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — e o país asiático.
No campo da inovação, os dois líderes também trocaram experiências sobre sistemas de pagamentos digitais. Lula apresentou os avanços do Pix, enquanto Modi destacou o funcionamento da UPI (Interface de Pagamentos Unificada), plataforma indiana amplamente adotada no país. A conversa ocorre em meio a críticas de Washington ao Pix, acusado de gerar desequilíbrios no setor de pagamentos eletrônicos global.
“Tive uma ótima conversa com o presidente Lula. Agradeci por tornar minha visita ao Brasil memorável e significativa. Estamos comprometidos em aprofundar nossa Parceria Estratégica, inclusive nas áreas de comércio, energia, tecnologia, defesa, saúde e muito mais. Uma parceria forte e centrada nas pessoas entre as nações do Sul Global beneficia a todos”, publicou o primeiro-ministro indiano na rede social X (antigo Twitter).
Lula e Modi já haviam se encontrado em julho, durante a Cúpula do Brics em Brasília. Na ocasião, selaram uma série de acordos de cooperação em diversas áreas.
Reações
As novas tarifas comerciais impostas pelo governo norte-americano, atualmente liderado por Donald Trump (Republicano), têm gerado reações em diversas partes do mundo. Em entrevista à agência Reuters, Lula afirmou que pretende articular uma resposta conjunta com os países que compõem o Brics. No entanto, descartou a possibilidade de dialogar diretamente com Trump. “Eu não vou ligar para o Trump para conversar nada porque ele não quer falar”, disse o presidente.
Na quarta-feira (6), o Itamaraty formalizou um pedido de consultas à Organização Mundial do Comércio (OMC), questionando a legalidade das medidas americanas. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, as tarifas violam compromissos multilaterais assumidos pelos EUA, como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários acordados na OMC.
Alternativas
Em entrevista ao Correio da Manhã, o professor de Direito Internacional Manuel Furriela afirmou que a sobretaxa imposta pelos EUA ultrapassa os padrões internacionais. “Se a alíquota estivesse em torno de 10 a 15%, seguindo padrões como os da União Europeia, a situação seria mais administrável. Entretanto, uma alíquota de 50% torna-se inviável, pois não está em conformidade com as práticas internacionais”.
Segundo o internacionalista, o Brasil dispõe de três caminhos possíveis, todos com desafios. A primeira opção seria a via diplomática, apresentando aos EUA os impactos econômicos das tarifas e a relevância estratégica das exportações brasileiras. “No entanto, além da ausência de um relacionamento pragmático, a questão política é complicada, com Washington aplicando sanções em decorrência de decisões do Supremo Tribunal Federal, que, como poder independente, está fora do alcance do Executivo”, explicou o professor. Para ele, a postura de buscar alianças para um enfrentamento representa uma estratégia arriscada para o Brasil, que nos mais recentes casos, apenas desgastaram a relação.
Outra alternativa seria uma ação judicial no Tribunal de Comércio Internacional dos EUA, o que permitiria contestar a legalidade das tarifas. Contudo, Furriela considera essa opção de difícil sucesso, já que o tribunal pode reconhecer a soberania americana para adotar tais medidas. Na avaliação do especialista, porém, o caminho mais promissor é o recurso à OMC — já acionado pelo governo brasileiro. “Acredito em boas chances de sucesso. Contudo, mesmo que o Brasil obtenha uma decisão favorável na OMC, os Estados Unidos podem não cumprir a determinação, dada a tendência do governo de não se submeter às diretrizes de organizações internacionais”, concluiu Furriela.