Por: Karoline Cavalcante

Gilmar Mendes diz que Moraes tem apoio da Suprema Corte

Mendes: sem Moraes, Brasil seria "pântano institucional" | Foto: Ton Molina/STF

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (6) que não há qualquer tipo de desconforto entre os integrantes da Corte após a decisão do ministro Alexandre de Moraes que impôs prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A declaração foi feita a jornalistas durante o Fórum da Esfera Brasil, evento realizado em Brasília com a presença de autoridades e representantes do setor farmacêutico.

Segundo ele, “não há isolamento algum” no entendimento que levou à determinação contra o ex-chefe do Palácio do Planalto. “O ministro Alexandre tem toda a nossa confiança e o nosso apoio”, iniciou. “O Brasil teria se tornado um pântano institucional não fosse a ação de Moraes”, disse Mendes.

A fala do magistrado ocorre em meio à recente aplicação da chamada Lei Magnitsky por parte do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), contra Alexandre de Moraes. A legislação, criada em 2016 nos EUA, busca punir violações graves de direitos humanos e casos de corrupção significativa. A inclusão de um indivíduo nessa lista implica, além da revogação do visto e da proibição de entrada em território norte-americano, a restrição de transações com pessoas físicas e jurídicas sediadas nos país norte-americano.

Gilmar criticou duramente a sanção norte-americana afirmando que ela representa uma tentativa inaceitável de interferência externa no Judiciário brasileiro. “Certamente, seria inadmissível que nós, nas nossas pretensões comerciais, aceitássemos mudanças de entendimento da Suprema Corte americana. Isso seria impensável. Da mesma forma, isso também se aplica ao Brasil”, acrescentou.

Relembre

O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac) — órgão ligado ao Departamento do Tesouro norte-americano — alegou na última quarta-feira (30), para embasar a penalidade, que Moraes promoveu “prisões arbitrárias” e a “supressão da liberdade de expressão”, além de ter direcionado suas decisões contra figuras da oposição, incluindo Bolsonaro — atualmente réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.

Na terça-feira (5), um dia após a prisão ser decretada, o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental — órgão vinculado ao Departamento de Estado dos EUA — criticou duramente a medida judicial brasileira, alegando que a decisão fere a liberdade de expressão do ex-chefe do Executivo. A manifestação também incluiu ameaças explícitas a “todos aqueles que colaborarem ou facilitarem condutas sancionadas”.

A ordem de Moraes, por sua vez, foi expedida após o ex-presidente ter supostamente descumprido restrições impostas anteriormente. Segundo o magistrado, Bolsonaro apareceu em vídeos transmitidos por apoiadores durante atos ocorridos no último domingo (3), o que violaria a proibição de uso direto ou indireto de redes sociais.

Jurisdição constitucional

Em entrevista ao Correio da Manhã, a advogado Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados e Associados, explica que, do ponto de vista jurídico interno, a decisão de Moraes foi proferida no exercício da jurisdição constitucional do STF, e, de acordo com ela, fundamentada na legislação penal e processual brasileira, inclusive respaldada pelo inquérito das fake news, “que tramita há anos sob relatoria do ministro”.

“Assim, do ponto de vista da soberania nacional e da separação de poderes, a sanção a um magistrado brasileiro em exercício configura uma afronta direta ao sistema de Justiça do país”, iniciou. “Além disso, a manifestação do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, ao ameaçar “quem colaborar com o cumprimento da ordem judicial emitida pelo STF”, ultrapassa os limites diplomáticos aceitáveis e configura ingerência externa”, acrescentou a sócia do escritório Poli Advogados e Associados.

Embora não exista, até o momento, qualquer indicação oficial da Casa Branca no sentido de revogar ou reavaliar a aplicação da Lei Magnitsky neste caso específico, a advogada avalia ser possível, “desde que o Departamento de Estado entenda que houve equívoco na qualificação da conduta como violadora de direitos humanos ou que existam razões diplomáticas superiores para sua retirada”. No entanto, a tendência, no curto prazo, é de manutenção da sanção, “especialmente diante do clima político polarizado nos Estados Unidos e da pressão interna de alas conservadoras influentes”.

Para Vlavianos, há um risco real de deterioração na relação entre Brasil e Estados Unidos, que já enfrenta tensões por conta do aumento de tarifas sobre produtos brasileiros e pelas discordâncias quanto à condução da política externa sul-americana. “A sanção a um membro da mais alta Corte do país, se confirmada, representa uma escalada significativa nesse conflito diplomático. O Brasil pode reagir com medidas de reciprocidade, como restrições diplomáticas, convocação do embaixador ou apresentação de protesto formal nos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a Organização dos Estados Americanos (OEA)”, pontuou a especialista.