Por: Karoline Cavalcante

Governo brasileiro aciona OMC contra o tarifaço

Lula disse que só falará com Trump quando sentir intenção de negociar | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo federal formalizou nesta quarta-feira (6) uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a nova política tarifária dos Estados Unidos, que impôs uma sobretaxa de até 50% sobre diversos produtos brasileiros. A medida, implementada por ordens executivas do presidente norte-americano Donald Trump (Republicano), afeta cerca de 36% das exportações do Brasil para o mercado dos EUA.

O Ministério das Relações Exteriores apresentou oficialmente um pedido de consultas à OMC — primeira etapa do processo de resolução de controvérsias da entidade. O objetivo é questionar, com base nos acordos multilaterais, os novos encargos adotados pela Casa Branca, que, segundo o Itamaraty, violam normas como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários previamente negociados no âmbito da organização.

“As consultas bilaterais, concebidas para que as partes busquem uma solução negociada para a disputa antes do eventual estabelecimento de um painel, são a primeira etapa formal no âmbito do sistema de solução de controvérsias na OMC”, afirma a nota divulgada pelo MRE. O documento também destaca a disposição para o diálogo e expressa a expectativa de que “as consultas contribuam para uma solução para a questão”.

Não vai ligar

Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a comentar os rumores de uma possível ligação para Trump, buscando tratar do tema diretamente. Em entrevista à agência Reuters, Lula declarou que só fará contato se perceber abertura para o diálogo e que "um presidente da República não pode ficar se humilhando para outro".

"Não tenho por que ligar para Trump porque, nas cartas que ele mandou, ele não fala em negociação”, iniciou o petista. “Quando minha intuição disser que ele quer negociar, não terei dúvida de ligar", reiterou.

Contingenciamento

Paralelamente à frente diplomática, o governo brasileiro prepara um plano de contingenciamento para mitigar os efeitos da sanção sobre os setores mais impactados. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicou que a proposta — elaborada em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços — seria enviada ainda nesta quarta-feira ao Palácio do Planalto e poderá ser implementada por medida provisória, cujo efeito é imediato. De acordo com o líder da equipe econômica, o detalhamento da proposta será feito em relatório por setor e por empresa, e o pacote prevê atender, sobretudo, os pequenos empresários que “não têm alternativas”. “A maior preocupação é com o pequeno produtor”, declarou o ministro à imprensa.

Durante a coletiva, Haddad também criticou duramente a atuação do campo oposicionista do país. Sem citar nomes, ele fez referência a uma entrevista concedida recentemente pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O parlamentar se licenciou do mandato em março e passou a viver nos EUA, atuando diretamente em favor de sanções a autoridades brasileiras sob o argumento de denunciar violações de direitos humanos e favorecer o seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — que é réu no STF por supostamente articular uma tentativa de golpe de Estado, após perder as eleições em 2022. O chefe da Fazenda fez ainda um apelo à união institucional, pedindo engajamento de governadores — inclusive da oposição — e do setor empresarial em defesa dos interesses econômicos do Brasil.

Haddad confirmou ainda que uma reunião remota com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, está agendada para a próxima quarta-feira (13). “Obviamente, a depender da qualidade da conversa, ela poderá se desdobrar em uma reunião de trabalho presencial, aí com os ânimos já orientados no sentido de um entendimento entre os dois países que, repetimos, têm um relacionamento de 200 anos”, pontuou.

Diante do cenário, Lula convocou uma reunião ministerial no Planalto. Estiveram presentes os ministros da Casa Civil, Rui Costa; do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva; da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann; e o advogado-geral da União, Jorge Messias.

Cenário internacional

Ao Correio da Manhã, o internacionalista e especialista em Comunicação Política João Vitor Cândido mencionou que, ainda que as sobretaxas impostas pelos Estados Unidos tenham incluído exceções para cerca de 700 produtos brasileiros, ainda representam um endurecimento comercial, “com impacto direto sobre setores estratégicos da economia brasileira”. “Mesmo uma taxação de 10%, como a inicialmente prevista, já seria considerada prejudicial, sobretudo para países da América do Sul que mantêm relações comerciais deficitárias com os EUA, como é o caso do Brasil. Isso reforça a leitura de que a medida tem menos base técnica e mais conotação política”, avaliou.

O internacionalista considera improvável a possibilidade de Trump voltar atrás na questão, mas não impossível. “Caso haja pressão suficiente de setores econômicos internos dos EUA ou de aliados estratégicos — e se houver algum custo político real — ele pode recuar pontualmente ou flexibilizar a aplicação dessas medidas. Mas, no geral, a lógica da campanha dele é fortalecer o discurso do “America First” (América Primeiro), o que dificulta uma reversão voluntária”, explicou João Vitor.

Para Cândido, o acionamento da OMC é um passo institucional importante, no entanto, os trâmites da organização são lentos e, na prática, “poucas retaliações são revertidas a curto prazo”. A previsão, portanto, é que o governo Lula busque apoio internacional e articulação diplomática com outros países também prejudicados, como é o caso da Índia — que também recebeu uma tarifa norte-americana de 25% nesta quarta-feira, ou seja, somados aos 25% anteriormente aplicados, se igualam aos 50% do Brasil.

“No médio prazo, essa crise pode até servir de estímulo para o Brasil diversificar ainda mais seus mercados e reduzir a dependência de parceiros instáveis. O setor produtivo, por sua vez, deve pressionar o governo por medidas compensatórias, financiamento e abertura de novos canais comerciais”, finalizou o especialista.