Em nome da anistia a Jair Bolsonaro (PL) e a outros envolvidos na tentativa de golpe de Estado, a ocupação das duas mesas diretoras do Congresso por parlamentares aliados do ex-presidente paralisa os trabalhos legislativos e ameaça a aprovação de projetos que poderão beneficiar milhões de brasileiros.
Dentre as principais pautas em risco de não serem votadas está a Medida Provisória (MP) que isenta do pagamento do imposto de renda quem recebe até dois salários mínimos.
A MP entrou em vigor no dia da sua publicação, em 14 de abril. Caso não seja votada até a próxima terça-feira (12), ela perderá a validade, com prejuízos para mais de 10 milhões de brasileiros.
O líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), divulgou um vídeo afirmando que os parlamentares bolsonaristas, ao impedirem o funcionamento do Congresso, estão colocando interesses particulares acima das necessidades da população.
"Dez milhões de brasileiros e brasileiras que recebem até R$ 3.000 não pagam imposto de renda, graças a uma medida provisória que o governo do presidente Lula editou neste ano. Mas, agora, vem uma má notícia: a partir da terça que vem, devido à oposição, esses brasileiros, você que está me assistindo, poderá ter que voltar a pagar imposto de renda", disse o líder. "Isso não é oposição ao governo: é oposição ao Brasil e e aos brasileiros".
Desde a manhã de terça-feira (5), parlamentares bolsonaristas ocupam as mesas diretoras da Câmara e do Senado em protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles prometem travar o funcionamento do Congresso até que sejam pautadas a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, o impeachment de Moraes e o fim do foro privilegiado.
'Temos que endurecer o jogo'
O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), um dos líderes da ocupação das mesas do Congresso, admitiu o risco do ato para a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 3 mil mensais. Porém, demonstrou não ter qualquer preocupação com os prejuízos à vida de milhões de brasileiros.
“Eu lamento profundamente. Agora, para conseguir os objetivos da oposição, nós temos que endurecer o jogo. Se o governo não teve competência de votar a MP em tempo hábil, aí eu sinto muito”, disse o parlamentar, nesta quarta-feira (6), em entrevista ao ICL Notícias – 1ª edição.
Isenção até R$ 5.000
Outra proposta que pode ser prejudicada pelo motim é o projeto do Executivo que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês e também garante descontos para salários de até R$ 7.350.
O projeto foi aprovado no dia 16 de julho pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. À época, o relator, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a previsão era de que a proposta fosse votada em agosto. Porém, o cronograma pode se atrasar em razão do protesto da oposição.
No final de julho, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), reafirmou a importância da votação do projeto de lei no segundo semestre e disse que a proposta configura uma "justiça tributária".
'Mais uma tentativa de golpe'
Em entrevista ao Correio, o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Calmon classificou a ação dos parlamentares bolsonaristas como "um episódio inédito e grave na história do Legislativo nacional".
"Um pequeno grupo de parlamentares bolsonaristas tenta, de forma coercitiva e desordeira, ocupar os plenários das duas Casas do Congresso Nacional, com o objetivo de obstruir violentamente o funcionamento regular das atividades legislativas", afirmou Calmon.
Segundo ele, "trata-se de uma ação desesperada diante da iminente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de envolvimento em uma conspiração golpista que visava à ruptura da ordem democrática e, segundo investigações em curso, até mesmo o assassinato de autoridades da República, como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes".
O docente lembra que o Parlamento brasileiro possui longa tradição como espaço de grandes debates e intensas disputas políticas. Segundo ele, tais embates, mesmo quando marcados por acirradas divergências ideológicas, historicamente ocorreram dentro dos marcos institucionais e das normas que regem o debate democrático. "Mesmo durante o regime militar, observava-se, com as limitações próprias daquele contexto autoritário, certo respeito às formalidades e às regras regimentais", pontuou.
"Esse tipo de manifestação, além de profundamente lamentável, constitui uma afronta à história do Parlamento e às tradições democráticas do país. Revela o grau de radicalização de um movimento político que, incapaz de se impor pelo voto ou pelo convencimento, recorre a métodos incompatíveis com o Estado de Direito. O objetivo declarado desse grupo — reeleger Jair Bolsonaro à presidência e promover a cassação de ministros do Supremo Tribunal Federal — só reforça o viés autoritário de sua atuação", criticou o professor da UnB.
"Dessa forma, é legítimo afirmar que estamos diante de mais uma tentativa de golpe, ainda que fracassada, protagonizada por um movimento que demonstra total desprezo pelas instituições e pela legalidade democrática", acrescentou.